quarta-feira, 30 de junho de 2010

12 episódios para se pensar melhor as coisas

Michael Sandel!

Só para rematar

O jogo de ontem também serviu para lembrar quem é de facto o melhor jogador do mundo (não, também não é Messi): Xaviesta.

Call me zandinga

Entretanto, queria só lembrar aquilo que escrevi no passado dia 27:

«antevejo uma derrota de Portugal frente à Espanha com um golo do Villa marcado [ilegível] em fora de jogo»

Maia, chega para lá.

O que é nacional é bom

Coincidência ou não, os jogadores titulares que jogam no campeonato português foram os melhores em campo (Eduardo, Bruno Alves, Fábio Coentrão, e Raúl Meireles), a par de Ricardo Carvalho, o que nos leva a equacionar se não será melhor dar prioridade aos jogadores que jogam em Portugal e que, portanto, se conhecem melhor. E a FPF faria um serviço aos clubes dando oportunidade à valorização dos seus activos. Por exemplo, se era para empatar a zero com a Costa do Marfim, ganhar à Coreia do Norte, empatar a zero com o Brasil e perder com a Espanha, parece que o seguinte 11 estaria à altura: Eduardo; Rúben Amorim, Ricardo Carvalho, Bruno Alves, e Fábio Coentrão (atenção, falta chamar o Evaldo à selecção); Miguel Veloso, João Moutinho, Raúl Meireles, e Carlos Martins; Liedson e Varela.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O terceiro objectivo do futebol

De um certo ponto de vista, é comovente ver a selecção do nosso país ir de uma forma tão empenhada de encontro aos nossos desejos: isto correu de uma forma tão perfeitamente previsível que até parece que foi por acaso. Não foi. Nós já sabíamos que depois de ganhar e de não perder, Queiroz tem como terceiro objectivo no futebol o perder por poucos. Esse espírito foi passado de uma forma admiravelmente eficaz para os jogadores que foi sem esforço que estes cumpriram aquilo que deles se esperava: darem-nos razão. Antes da partida para a África do Sul já toda a gente avisava: o Pepe está sem ritmo, o Deco, para além de velho, nunca teve respeito pela selecção, o Ricardo Costa não serve nem para titular do Sporting, o Ronaldo não vai fazer nada sozinho; é, pois, com alguma satisfação que constatamos que o Pepe estava sem ritmo, que o Deco, para além de velho, não teve respeito pela selecção, que o Ricardo Costa nem para titular do Sporting serve, e que o Ronaldo não fez nada sozinho (nem, a bem dizer, acompanhado). Por isso, e em vez de nos atirarmos ao Queiroz e à sua cobardia táctica, aplaudamos o facto de, pela primeira vez, e sublinho, pela primeira vez, Portugal ter feito um campeonato do mundo normal - 1966 foi a glória, 1986 foi a vergonha, 2002 foi a vergonha, 2006 foi a glória. Claro que poderíamos ter tentado ganhar este jogo à Espanha, mas isso só aumentaria o nosso sentimento de frustração: ai se aquela bola tivesse entrado. Assim, não há ais nenhums e podemos seguir com as nossa vidas. Mas quem precisa de um consolo - mais do que um alvo - fica a nota que perdemos com a mais do que provável campeã do mundo. Teríamos perdido com o segundo classificado (o Brasil), o terceiro classificado (a Alemanha), ou o quarto classificado (o, err, Uruguai), mas eu confio no poder de acreditarmos nos nossos sonhos.

Either / Or

Ter filhos / ler livros.

domingo, 27 de junho de 2010

Passeio no parque

Patética exibição da Inglaterra: deu a impressão de que a Alemanha não precisou de se esforçar. Özil é uma maravilha, mas aqui não há pontos fracos. Não estou a ver ninguém a parar esta equipa, e assim sendo vamos ter um Espanha - Alemanha na final, ou seja, a final do campeonato da Europa outra vez.

ADENDA: (Fui informado de que a minha previsão para a final tem poucas hipóteses de acontecer dado a Alemanha e a Espanha estarem do mesmo lado do quadro, logo, a acontecer, esse será um jogo das meias-finais - sendo que o outro será um escandaloso Brasil - Uruguai. Seja como for, há aqui dados mais relevantes em relação a este calendário. O Portugal - Paraguai irá jogar-se no dia do baptizado do meu filho, o que me irá obrigar a explicar-lhe pela segunda vez o que é o patriotismo: é torcer sempre por Portugal, mesmo quando do outro lado também estão jogadores do Benfica - tentei explicar-lhe isto quando o Ramires entrou, mas acho que ele ficou desconfiado. E já que aqui estamos, uma meia-final com Brasil e Uruguai não é uma meia-final do campeonato do mundo, é um encontro da fase de qualificação. A FIFA, que anda a fazer tudo por tudo para manter alguns dos grandes em competição - gamanço no Espanha - Chile, gamanço no Alemanha - Inglaterra, gamanço no Argentina - México - bem que podia rever isto, até porque a manter-se o padrão antevejo uma derrota de Portugal frente à Espanha com um golo do Villa marcado com a mão, em fora de jogo, e sem a bola entrar dentro da baliza. )

sábado, 26 de junho de 2010

Glendenning!

13 min: The camera cuts to Bill Clinton in the crowd. He's sitting beside Mick Jagger. Bill and Mick, out on the town, shooting the breeze and having a laugh. Lock up your daughters.

Barry Glendenning, lá no Guardian

(Odeio os EUA no que ao futebol diz respeito: nunca tiveram uma equipa de jeito e são em todos os mundiais considerados os representantes de um suposto despertar do soccer para o mundo, é que é sempre a mesma coisa desde 1994. Também não adoro o Gana - não adoro o chamado «futebol africano», por mim o mundial era composto por 18 equipas europeias, 13 equipas sul-americanas e o México - mas estou completamente esperançoso por um Uruguai - Gana nos quartos. Foda-se, Uruguai - Gana - uma destas selecções está garantida nas meias - isto é ridículo, a sério, vejam lá isso, neste momento de grande turbulência mundial precisamos de contar com o futebol para um pouco de ordem e previsibilidade, ou seja, as selecções que esperamos ver nas meias-finais só podem ser a Alemanha, a Argentina,a Itália e o Brasil, com uma e uma só excepção permitida a cada quatro anos, que este ano poderia ser a Espanha, ou, vá lá, a Holanda.)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Onde ficamos a saber que um direito é algo a que nós não podemos abdicar

Temos de começar a partir a louça, por Filipe Nunes Vicente.

Form follows function



Aqua Tower, Chicago, Studio Gang Architects



Torre de Escritórios / Amoreiras, Lisboa, Saraiva e Associados

A história da arquitectura do século XX conta-se através de uma sucessão de tentativas de matar o pai, sendo que o pai é o movimento moderno, o período heróico do arranque do século na europa central durante a reacção aos destroços da primeira guerra. Elaboraram-se manifestos e pontos de ordem que, entre outras coisas, radicalizaria a máxima de Louis Sullivan, um dos pré-modernos mais influentes, de que «form follows function»; no auge da Grande Tentação de mudar o mundo, Corbusier chegaria mesmo a gritar que a casa deveria ser uma «máquina de habitar» (mas depois Corbusier foi à Índia e aos trópicos e felizmente a coisa morreu por aí.) Depois do Movimento Moderno, chegaram os filhos: o regionalismo crítico que não gostava do seu estilo internacional (Aalto, Siza), o pós-modernismo que não gostava do seu espartilho da função (Venturi, Taveira), o espiritualismo que não gostava do seu ateísmo acéptico (Wright, Manuel Vicente?), etc, etc. O capitalismo global fez o resto, e a chegada do branding à arquitectura fez com o seu primeiro objectivo fosse o de circular (there is no such thing as bad publicity). Hoje é muito difícil identificar tendências, agrupar autores, definir escolas: é cada um por si. Ainda assim, a máxima de Sullivan não morreu e um bom projecto continua a ter que evidenciar uma relação estreita entre a forma e a função: no caso da Aqua Tower (o maior projecto alguma vez encomendado a uma mulher nos EUA), a forma são as varandas ondulantes, a função é a necessidade de lidar com os fortes ventos e a procura de vistas que fintem o skyline de Chicago. Sullivan ficaria orgulhoso, ainda que percebesse que há várias formas que respondem à mesma função e que o papel do arquitecto é escolher a mais sedutora. E Jeanne Gang escolheu-a com um acerto e uma simplicidade que mereceu o aplauso da crítica. Mas a linha que separa as formas pouco convencionais acertadas das formas pouco convencionais despropositadas é muito ténue e já não há críticos nem tempo nem espaço para a procurar. O caminho da arquitectura no século XXI está demasiado armadilhado para o caminharmos de olhos vendados.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Verde

Desconfiar sempre quando a «sustentabilidade» é simultaneamente tida como virtude e anunciada como prática. Desconfiar sempre, sempre.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Obviamente

Acabou o mundial para Deco.

Se não tivesse TV Cabo era a desgraça

Lamento profundamente a morte de Saramago: é que já vamos no terceiro dia em que o Mundial não ocupa totalmente os espaços noticiosos.

Lamento também profundamente que a França não passe da fase de grupos: não consigo evitar um sentimento nostálgico sempre que o circo abandona a cidade.

Lamento ainda mais profundamente as arbitragens que têm acontecido no campeonato do mundo de futebol, porque houve aqui uma mudança de paradigma e ninguém nos avisou: o espectador já se habitou a más arbitragens que beneficiam a equipa da casa, não estava portanto preparado para esta aleatoriedade selvagem, que tanto permite que um jogo de futebol se transforme num jogo de andebol (Fabiano), como permite que um jogo de futebol se transforme numa palhaçada (a expulsão de Kaká) sem a França presente, o que é muito desarmante.

Agora, o que eu não lamento nada é o empate entre a Itália e a Nova Zelândia: ah ah ah ah ah ah ah.

Brick-by-brick:




Olha, o Valderrama:

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Copa Buena



Buena, buenísima: la Alemania ha sido más una víctima de estas arbitrajes sudamericanas, coño.

Unas

Bruno Nogueira, Herman José, quem quer seja: Rui Unas é o nosso único late-night man que interessa.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

México 2 - 0 França

A vingança da Irlanda chegou - e vestida de verde e branco. Eat that, Platini.

A Argentina

Antes que comecem todos a embandeirar em arco, deixem-me que vos diga que os três golos marcados hoje pelo Higuaín foram os três golos mais fáceis do Mundial até agora (foram ainda mais fáceis que o auto-golo que abriu o marcador) e que, portanto, nada disto invalida a tese de que o Higuaín estaria muito melhor no banco como suplente do Milito (marcar golos nesta Argentina passa por ficar muito perto do Messi e esperar pelos ressaltos, ou muito perto do Aguero e esperar pelos ressaltos). Aliás, o Tevez é outro: o genro a titular, já. A explicação para o fraco rendimento do Dí Maria passa pelo seu posicionamento táctico: está a jogar a trinco esquerdo, já que a Argentina só joga com dois médios, pelo que alguém tem de fazer as devidas compensações. Maradona pode ser Deus, mas não é Jesus.

terça-feira, 15 de junho de 2010

1986

Há quem, por causa do Brasil e da Coreia do Norte, perdão, da República Popular Democrática da Coreia, queira comparar este Mundial ao de 66, mas o que está na moda é a década de 80, amigos, é a década de 80. Salvaram-se Raúl Meireles, Fábio Coentrão, e os 20 minutos à Benfica do Rúben; o resto ficou refém da incompetência do mister Queiroz, melhor do mundo incluído.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Anedota

Eu não sei o que é a «direita católica» portuguesa, mas sei que se a «direita católica» produzir Santana Lopes como candidato à presidência da república como alternativa moralista a Cavaco Silva o conceito fica um pouco mais explícito. Aquilo que estará em cima da mesa não é tanto uma questão ideológica (Cavaco é católico, tem um casamento estável há 150 anos e um conjunto de netos bem comportados) mas claramente uma questão de classe: Santana é de Lisboa, dá um beijinho, e aparece nas praias certas do Algarve. Manuel Alegre já me chegava e sobrava, mas a confirmar-se Santana o meu voto no filho do gasolineiro de boliqueime - só por si um símbolo da mobilidade social de que Portugal tanto precisa - será ainda mais livre de constrangimentos.

A Alemanha

Apesar de a Austrália ser a pior em equipa em prova (não é o pior conjunto de jogadores em prova, mas é um conjunto de jogadores australianos, logo um conjunto de pessoas que só quer o bem dos outros e fará tudo para o conseguir) e do árbitro mexicano («árbitros mexicanos», e nós pensávamos que isto não descia mais baixo do que «Olegário Benquerença») ter perdoado um penálti à Alemanha e ter expulsado um australiano que fez uma falta sem querer (pelo amor de Deus, ninguém faz carrinhos de joelhos com intenção), não há como contornar o facto de, mesmo tendo Miroslav Klose a titular, a Alemanha ter sido a equipa que mais impressionou até agora. O salto de rendimento que os jogadores alemães mostram quando vestem aquela camisola é ainda maior do que o salto de rendimento que os jogadores do Mourinho dão quando passam a ser treinados pelo Mourinho (v. Nuno Valente), o que assusta um bocadinho: dá a sensação que se nos distrairmos por um momento a Alemanha acabará por anexar a África do Sul ao seu território, impondo o Euro como moeda e um conjunto de medidas austeras de controlo do défice.

Campeonato

«Com excepção da segunda parte do França-Uruguai (que perdi devido a complicações de cariz étnico causadas pela presença no recinto de trinta e cinco ingleses bêbados [muitos dos quais vestidos de batman] numa despedida de solteiro), consegui assistir a todos os eventos do Certame até agora. Foram seiscentos e setenta e cinco minutos de futebol, pontuados por aquele zunido colectivo, grave, desconcertante e ininterrupto, que qualquer adepto já se habituou a reconhecer: a wall of sound produzida por milhões de milhares de mulheres a fazerem perguntas sobre as regras do jogo.
Ligeiramente abaixo na escala decibélica, o ruído constante das vuvuzelas também se tem apresentado em grande forma, mostrando resistência, intensidade e disciplina táctica, embora as suas hipóteses de conquistar o título de ruído permanente mais irritante da competição estejam agora ameaçadas pelo ruído permanente de pessoas a queixarem-se sobre o ruído permanente das vuvuzelas; o duelo promete ser renhido até à final.»


Do nosso enviado especial à África do Sul às esplanadas com ecrãs gigantes.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Enviado especial

O Brasil, por exemplo, não só pode ser fiel a princípios, como até tem dois conjuntos de princípios opostos aos quais pode atrelar a sua fidelidade, como o Freitas do Amaral.

Calhando o infortúnio de a LER ser uma revista sobre livros (embora a interpretação dessa identidade seja o suficientemente lata para já terem acontecido textos sobre a cozinha do Tavares ou o The Wire) com um orçamento típico das publicações que têm o público alvo limitado às pessoas que lêem, alguém deveria ter-se chegado à frente e enviado o Rogério para a África do Sul, devidamente acompanhado por dois ou três amigos do Miguel para fazer a devida escolta armada. O facto de estarmos todos dependentes das «esplanadas com ecrãs gigante» é uma tragédia muito maior do que a lesão do Nani.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Certo

Na defesa, estão para lá uns gajos. No meio-campo, vão estar o Fabregas, o Xavi, e o Iniesta. No ataque, o Navas ou o Pedro mais o Torres e o Villa. A Espanha ser campeã do mundo é tão certo como o agravamento das medidas de austeridade em 2012.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Direitíssimo por linhas tortíssimas

A boa notícia é que vai o Ruben Amorim, um jogador que em 23 deveria ser logo 3º a ser convocado. Agora, que isto volta a baralhar as contas tácticas da selecção isso é evidente até para aqueles que não têm papel e caneta à frente dos olhos. Para vossa sorte, eu tenho papel e caneta à frente dos meus olhos e descobri que estes 22 convocados (mais aquele emigrante que não fala português, o daniel não sei quê) constituem 22 peças bastante apetecíveis para brincar ao Luís Freitas Lobo. Então é assim: primeiro, temos o 4-3-3, que é opção mais pacífica,




depois, seguido de muito perto, o 4-4-2 em losango que vai ser usado contra o Brasil (aposto 40€ com quem quiser),


e ainda a minha contribuição para esta merda que são os três centrais que já ninguém usa


sim, por acaso acho que o Veloso daria um bom líbero. Mas apesar do meu brilhantismo tácticoestamos lixados na mesma: ontem vi o Portugal - Holanda de 2006 e percebi a magnitude do nosso downgrade de então para cá. Enfim, o que é preciso é calma.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Who gives a fuck about an oxford comma?

The Colbert ReportMon - Thurs 11:30pm / 10:30c
Vampire Weekend
www.colbertnation.com
Colbert Report Full EpisodesPolitical HumorFox News

O arquitecto enquanto ideólogo

A grande mentira da arquitectura enquanto prática esconde uma ambição desmesurada: dizemos que os nossos serviços visam responder às necessidades do cliente & etc., mas a verdadeira motivação está no programa. Seja na mais simples das encomendas (todas as casas publicadas nas revistas da especialidade se parecem) ou nas tarefas mais exigentes (a «learning street», um conceito importado da Finlândia e da Holanda com o intuito de transformar os alunos do secundário em finlandeses e holandeses), o arquitecto está sempre pronto para explicar às pessoas como elas devem viver: queremos desenhar o mundo para que o mundo fique mais parecido com aquilo que nós queremos que o mundo seja. A alimentar todo este espírito de iniciativa está a ideia do progresso. Ah, o progresso.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Friendly fire



Hoje mesmo, na actual composição parlamentar, não será difícil encontrar uma maioria para apoiar coisas abstrusas, como a proibição de touradas ou rojões, imposição da ordenação sacerdotal de mulheres ou a obrigatoriedade de purificadores atmosféricos.

O truque retórico exemplificado nesta frase é evidente para todos os leitores avisados: junta-se no mesmo raciocínio realidades distintas com o propósito de iludir o leitor sobre os méritos de cada uma delas. Neste caso, com vemos, o objectivo é o de fazer equiparar o grau de disparate de duas ideias válidas (a proibição das touradas e a ordenação sacerdotal das mulheres) ao de duas ideias efectivamente disparatadas (a «proibição de rojões» e a obrigatoriedade de «purificadores atmosféricos»). Passemos por agora por cima do incoveniente de as duas últimas não serem acções passíveis de proibição ou obrigatoridade (não é possível proibir um alimento nem obrigar a um objecto, per se, será necessário explicitar a acção concreta que se visa proibir) como o são as duas primeiras, porque o interesse na exposição desta parcela de texto (que, obviamente, queremos que seja tomada como metonímia) não reside nos aspectos formais da sua execução (a falta de domínio retórico é um dado bastante evidente no autor em causa) mas nas ideias que ele revela.

Estamos perante um autor que tece um juízo moral sobre a sociedade que o rodeia concluindo, como é apanágio de todos aqueles que ao longo da história tiraram uns minutos para tecer juízos morais sobre as sociedades que os rodeavam, isto é deboche, pá. Para tal, o autor socorre-se da enumeração de variados factos - ou juízos seus apresentados como factos - que suportam a tese; neste caso, os factos são «o aborto», «o divórcio», o casamento gay, a (está lá, vão consultar, preguiçosos) educação sexual (ora que grande deboche que é a educação sexual, pá, ao que isto chegou), sendo a tese o espantoso embora infelizmente inexistente «totalitarismo do orgasmo», que o autor, pensamos que lamentavelmente para tudo aquilo que revela sobre a sua vida privada, condena.

O raciocínio, surpreendentemente, não é falacioso: o «aborto», «o divórcio», o casamento gay e a educação sexual são acontecimentos que visam lidar com realidades que advêm, grosso modo, do acto sexual: sem acto sexual não haveria abortos (porque não existiriam gravidezes indesejadas; caramba, não existiriam gravidezes), sem acto sexual não existiriam divórcios (reconheçamos: se queremos dar o fora é porque o conjuge já não dá ponta), sem acto sexual não haveria casamento gay (poderíamos ser só bons amigos), sem acto sexual não haveria necessidade de educação sexual (talvez remetida para a Academia dos teóricos). Ora, o acto sexual só existe porque estão ali duas pessoas à procura do orgasmo (mesmo aquelas pessoas que o sabem difícil não deitam a toalha ao chão), e nesse sentido estamos perante aquilo a que o autor apelidou de «totalitarismo do orgasmo». O problema é que, ao contrário do que costuma ser corrente nestas coisas dos totalitarismos, o orgasmo é bom. O orgasmo, atrevemo-nos, é óptimo. Pelo que se levanta a dúvida sobre as reais intenções do autor na sua denúncia, já que parece inverosímil o objectivo explícito.

Que não dura muito: com a denúncia do «totalitarismo do orgasmo», é evidente que o autor visa condenar o comportamento de uma geração que já não é a sua através do pararelismo com o comportamento da sua geração, atribuindo, não estranhamente, virtudes ao comportamento da última e vícios ao comportamento da primeira. Há quem lhe chame «crise da meia-idade», mas o leitor fará o favor de lhe chamar o que por bem entender. Ora, de facto, a geração do autor não cedia ao «totalitarismo do orgasmo», mas como veremos essa estoicidade não se devia a nenhuma virtude assinalável mas antes a uma conjuntura favorável: não havia aborto (legal), não havia divórcios (pulava-se a cerca mas voltava-se ao final do dia para jantar), não havia casamento gay (os gays casavam-se mas com pessoas do outro sexo), não havia educação sexual (a matéria era toda dada nesse curso intensivo conhecido por «noite de núpcias»).

Posto isto, não admira que o autor sinta, adivinhamos, uma certa inveja da geração que lhe sucedeu e que a queira atacar. Mas ao tentar fazê-lo com armas do calibre da frase citada no início deste post, incorre numa traição das suas tropas ao denunciar o alcance limitado das suas capacidades. Senão vejamos: o carácter extremamente rudimentar da trapaça retórica ensaiada nas comparações touradas / rojões e ordenação de mulheres / purificadores atmosféricos, levanta o véu sobre quem é o público alvo que o autor tem por intenção tocar. Não é crível que o autor esteja interessado em cativar aquelas pessoas que pensam de modo diferente da sua, uma vez que as pessoas que pensam de modo diferente da do autor, ou seja, as pessoas que são a favor da proibição das touradas ou da ordenação sacerdotal das mulheres costumam ser pessoas intelectualmente devidamente estimuladas (e bem parecidas) que não são sensíveis ao argumento que visa equiparar moralmente a ideia de considerar as mulheres igualmente capazes de liderar uma comunidade com a ideia de proibir «purificadores atmosféricos» (mais uma vez pedimos desculpa ao leitor por este facto, mas somos obrigados a citar correctamente a fonte: sabemos que proibir um objecto é uma ideia impossível, mas admitimos que a proibição em causa diz respeito a uma acção levada a cabo com esse objecto, como seja a sua produção ou utilização).

Assim, somos forçados a deduzir que o público alvo do autor são as pessoas que pensam do mesmo modo do que ele - isto é, pessoas que não concordam com a proibição da mutilição de mamíferos como espectáculo e que consideram essa ideia moralmente equiparável à proibição de rojões (mais uma vez, etc etc, consideremos que a «proibição de rojões» diz respeito à proibição da utilização de «rojões» em receitas de iogurtes para crianças, ideia, aliás, que merece todo o nosso respeito), expondo, pensamos que cruelmente, todo o gabarito intelectual que caracteriza o conjunto de pessoas partidários do autor nestas causas e expondo também, tristemente, a indisponibilidade para o diálogo do autor e a sua decisão de permanecer na caverna a contar anedotas sobre as sombras.

É isto que choca no texto citado: o facto de ser evidentemente uma facada nas costas na própria equipa: somos sempre particularmente sensíveis à canalhice. Resta saber se isto foi involuntário (a arma disparou para o sítio errado) ou voluntário (hipótese académica que julgamos confere ao autor um interesse adicional). Estamos cá para os próximos episódios.