quarta-feira, 29 de março de 2006

O que vale é que ninguém vos liga

Sobre a polémica da providência cautelar que Margarida Rebelo Pinto quer pôr ao «nosso» João Pedro George, Pacheco Pereira diz na televisão que o problema é que em Portugal «tudo é bom» para a «crítica literária». Já gastei algumas linhas sobre este assunto, que me incomoda, mais especificamente sobre algo que em Portugal alguns pensam existir, a «crítica de arquitectura». Porque se na crítica literária o cenário é negro, na crítica arquitectónica o cenário é cómico. Abro ao acaso uma revista que pousa sobre a mesa (isto é, como se diz, «verídico»), e começo a ler uma apreciação a um projecto. Escreve Isabel Barbas (não conheço):

Palavras como nómada / limite/ exterioridade/ resíduo/ local/ interstício/ espectáculo/ globlização/ velocidade planetária/ anonimato/ desaparecimento/ transformação/ fragmentação/ mobilidade/ público/ transição/ escala planetária/ dispersão/ contentor/ paisagem/ paisagem artificial/ movimentos suspensos/ mutações/ transparência, passam a densificar o processo criativo e mental do autor que as integra em suas memórias descritivas separadas por (/) enfatizando os seus significados como "extractos" de uma realidade global em permanente movimento e comunicação.

E o resto do texto (?) é um continuar/ perpetuar/ evoluir/ desafiar/ explorar destes chorrilhos de vazios banais, patéticos, ocos, exaustivos. Dou exemplos, agora fragmentados:

(...) beleza entrópica subjacente a estas palavras (...) há nelas a ideia subjacente de mudança e movimento.

(...) A latência de um processo de mobilidade e flutuação (...)

(...) do que está em permanente mudança e transformação (...)

(...) O conceito de entropia emprestado da física soma-se às palavras/conceito acima descritas conferindo, quase por osmose, um carácter "físico" ao edifício.

Talvez por o seu cérebro esteja em permanente mutação, flutuação e mudança, Isabel Barbas descobre que, oh espanto e por osmose, o edifício (construído, faço notar) tem um carácter «físico». Como não explorou o conceito, ficamos na dúvida sobre que carácter «físico» pode um edifício ter, no meio de tanto conceito / palavra flutuante.

Desisto. Esta gente acaba comigo.

Nota: Não inventei isto. Está na Arquitectura e Vida nº69, pag. 41.