sábado, 28 de fevereiro de 2009

Carne com nomes falsos

O fim-de-semana começou muito bem, obrigado. Ontem, no Ípsilon, Pedro Mexia entrevistou Rogério Casanova e duas páginas à frente escreve coisas destas sobre Pastoral Portuguesa:

«(...) Casanova é o anglófilo impenitente, mas um anglófilo que diz "exemplar" e não "cópia", demonstrando que também conhece a língua de chegada. (...) O estilo, nada altivo, ajuda. Não há muitos críticos que escrevam numa página a palavra "berlaitada" e numa outra se refiram à "magnificação apofénica". (...) Ele nunca se indigna, nunca se choca, nunca tem o discurso cansativo da inveja e do ressentimento. A televisão é a comédia humana com entrega ao domicílio, e Casanova diverte-se com isso, utilizando em estilo o seu truque favorito: o cruzamento entre a cultura erudita e a popular. (...) Ao melhor estilo David Foster Wallace, Casanova também comenta com brio estratégico e dromológico um torneio de ténis ou uma corrida de cavalos, até porque em geral aposta nos resultados. Um patusco hábito inglês que faz todo o sentido nesta espécie de inglês que vê tudo como um jogo. E que, diabos o levem, ganha sempre.»

Não fica nada por dizer e os planetas alinham-se com delicadeza e discrição. Já perto da meia-noite o Frágil encheu-se de cristãos para ouvir Os Quais, que atenuam o facto de serem claramente melhores escritores de canções do que intérpretes através do contagiante e permanente sorriso do Jacinto Lucas Pires, uma voz com um timbre simultaneamente frágil e confiante que canta Lisboa (da Baixa à Calçada do Combro) com uma tranquilidade apaziguadora. O Samuel Úria também passou por lá só para provar que merece toda a atenção que lhe tem sido dada.
«A vulva nunca foi consensual.» Confesso que me andava a angustiar não ter conseguido ler ainda nenhum texto que valesse a pena sobre a «polémica» de Braga, de entre os 149 ensaios que foram publicados na imprensa e nos blogues nos últimos dias, todos eles, sem excepção, claramente perturbados pela imagem de Courbet. O Pedro Mexia, que anda há muitos anos a escrever sobre variações deste mesmo tema, arranca hoje no Público uma óptima crónica sobre o assunto e explica-nos que não faz mal nenhum incomodarmo-nos com a obra de Courbet. «É óbvio que o quadro possui uma dimensão chocante, não por causa da nudez mas porque choca com a ideia generalizada de que a vulva não é esteticamente agradável, especialmente se encimada por um triângulo púbico hirsuto. Em 1866 como hoje, aquele quadro provoca um choque estético, em intelectuais como em polícias de Braga. Hoje como então, somos pudicos com a pudenda.»
A minha rua está cortada ao trânsito, as máquinas continuam o seu trabalho de requalificação da Baixa, hoje vou jantar a um terraço com vista sobre a cidade.
«A castidade é a virtude característica da fé católica - porque não tem qualquer base na Natureza -, a virtude mais exuberante, transcendente, fantástica, a virtude da fé supranaturalista; para a fé, é a mais elevada das virtudes, mas em si não é virtude alguma. Por isso a fé converte em virtude o que em si, pelo seu conteúdo, não é uma virtude; não tem portanto qualquer sentido de virtude; tem necessariamente que degradar a verdadeira virtude, porque eleva uma mera virtude aparente, porque não é guiada por nenhum outro conceito a não ser o da negação, da contradição com a natureza do homem.» Diz Feuerbach numa página que abri absolutamente ao acaso, pela minha saúde, deste A Essência do Cristianismo que a minha mulher trouxe ontem da Gulbenkian. O homem, evidentemente, não tem razão alguma, mas estou tão bem disposto que lhe vou dar uma oportunidade.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Coisas que o russo não explica

Talvez não haja melhor do que um encontro fugaz com um grupo de adolescentes numa casa de banho pública (e se esta não é a pior frase inicial de sempre de um post então eu não sei qual é) para nos preparar para a visita guiada à exposição «A Evolução de Darwin» na Gulbenkian.
Todas as hipotéticas resistências à ideia da «evolução» das «espécies» são elegantemente convidadas a sair de cena perante a comparação entre a nossa pessoa e um «adolescente». Sim, as espécies (e os espécimes) evoluem e nem é preciso esperar uma geração para que o nosso espírito se inquiete e maravilhe com tão acelerada viagem: não é nada difícil de acreditar que estamos tão ou mais próximos de um Homo rhodesiensis do que de um estudante da EB 2-3 D. Francisco Manuel de Melo. Cá fora, quem não tinha ido à casa de banho inquietava-se e terá exteriorizado essa inquietação ao cientista: «a teoria da evolução das espécies por selecção natural é perfeitamente compatível com Deus», dizia o cientista, desde que aceitemos «que não precisamos de Deus para explicar» a natureza. Este é um dos problemas ontológicos dos cientistas: acham sempre que estamos neste mundo para tentar «explicar» as coisas. Não estamos, não estamos nós, nem está Deus: a lição que se retira da dinamitação dos princípios religiosos que até Darwin monopolizaram o conhecimento científico diz mais sobre a nossa relação com Deus do que da relação de Deus com o mundo - nós não criámos Deus, apenas o interpretamos o melhor que podemos, ou seja, mal. Deus dá-nos é muitas abébias, é o que é.
Mas mesmo para aqueles que não foram à casa de banho Darwin era o herói do dia e a exposição da Gulbenkian revelou-se um regalo para os sentidos. Por entre cobras e macacos e uns bichos divertidos que ora cavam oram contemplam o jardim de Ribeiro Telles e cujo nome agora me escapa, aprendemos que o pai Darwin era, entre outras coisas, um agiota, que Darwin se casou porque «as mulheres fazem melhor companhia do que os cães», e que os adolescentes não sabem comportar-se num museu. Ou melhor, que os adolescentes não sabem comportar-se. Ou melhor, que os adolescentes não sabem. Ou melhor, que os adolescentes não, ponto.
Então e a mosca da fruta, não falas da mosca da fruta? Ai de mim não falar na mosca da fruta, estou ofendido por terem colocado a hipótese de eu não falar na mosca da fruta. A dada altura alguém se dedicou ao estudo da Rhagoletis pomonella - isto é difícil de assimilar mas puramente verdade - e catalogou uma série de mutações que observou nalguns exemplares da espécie, dando origem a uma hipótese académica que defendia poder ser a mutação o catalizador da evolução e não a selecção natural. O cientista citou um russo para explicar a resolução do problema evolutivo que daqui nascera. O russo integrou as mutações na grande teoria evolutiva da selecção natural com uma simplicidade desarmante: as mutações que são benéficas para a espécie acabam por ser integradas nela, por oposição às mutações que são prejudiciais à espécie, que acabam por ser irradicadas do futuro evolutivo da espécie. Apesar da beleza teórica do postulado, o russo estava errado: se as mutações prejudiciais são irradicadas pelo mecanismo de selecção natural, como se explica a espantosa sobrevivência da adolescência? Há coisas que o russo não explica.
Enfim, ganhei um pin, o dia está ganho.

E nem chego ao Meyong

Com o porte mosqueteiro de um Quique Flores (talvez mais Athos que Aramis), a arrogância auto-confiante de um Jesualdo Ferreira (revista e melhorada pelo sentido de humor, «assim só sou campeão na Playstation»), e o domínio da língua portuguesa de um Paulo Bento (que transforma a conjugação de qualquer verbo num desafio empolgante), Jorge Jesus («Jorge Jesus» - impõe-se um óscar para melhor argumento original) tem levado o Braga, uma equipa onde o Alan é titular, a grandes feitos internacionais. Junte-se a isto a ressurreição para o futebol de João Pereira (o melhor defesa direito do campeonato, não se riam), a ressurreição para a vida de Frechaut, e todo o Luis Aguiar, e temos aqui bases para uma canonização. É urgente tirar este homem do Minho antes que seja tarde demais para tirar o Minho deste homem.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A existir

Ser-me falsamente atribuída a autoria de textos medíocres que circulem exponencialmente nas caixas de correio electrónico das pessoas condensa toda a amplitude da minha ambição literária.

Happy and glorious



Isto, meus amigos, comove.

Adenda: E o príncipe, nada diz disto?

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

«Crónicas de uma incursão»

A Campanha Permanente, ou o regresso do Tomás.

Em que é que ficamos

«O Porto conseguiu manter um nível médio alto excelente.»

Jesualdo Ferreira, após o 2-2 de ontem em Madrid.

Road to Perdition

Depois de ter chegado à fama com American Beauty, um filme que critica o «subúrbio» com recurso à construção de uma narrativa familiar deprimente, e de Road to Perdition, um filme de época com nome de estrada, Sam Mendes arrisca tudo em Revolutionary Road, um filme de época com nome de estrada que critica o «subúrbio» com recurso à construção de uma narrativa familiar deprimente. O filme, baseado num romance homónimo de Richard Yates que eu não li (a FNAC Chiado, continuando a sua very own road to perdition, não dispunha do título no seu plantel quando o procurei, apresentando antes um outro do mesmo autor que eu não fixei), tem como objectivo incomodar o espectador através de uma sequência de episódios incomodativos que se vão incomodando uns aos outros até ao ponto de acharmos que vai acabar tudo incomodado. A segunda cena do filme, a discussão no carro após a peça de teatro, faz as devidas apresentações: Leonardo di Caprio (aka o Cristiano Ronaldo da representação, se quiserem vou chamar a minha mulher para explicar isto) é Frank Wheeler, Kate Winslet é April Wheeler, e os Wheelers não se gramam. A acesa (eufemismo) troca de palavras que aí ocorre serviria como justa causa para qualquer divórcio antes da alteração da lei (agora parece que é tão fácil a alguém divorciar-se como ao Atlético de Madrid despedir treinadores), mas apesar disso somos convidados a acreditar que aquele casal tem um futuro risonho comum que os espera num ponto mais adiantado da sua biografia. Montado o resto do cenário (uns filhos fantasmagóricos, uns vizinhos esteticamente desproporcionais, e adultério q.b.) chegamos ao cerne da questão: April está insatisfeita com a vida e projecta em Cristiano Ronaldo todas as suas angústias, convencendo-o de que são as dele. Ele, que está bem na vida (amante à hora do almoço e promoção à vista), convence-se do que a mulher lhe diz (aka «casamento») e juntos dão as mãos no seu caminho para a perdição. O que de verdadeiramente incomodativo há no filme é a sua incapacidade de pôr o espectador a torcer pelos Wheelers. A dada altura estamos todos como o colega de Frank, que só quer que o seu nome não seja envolvido naquela história. O que começa por parecer um filme sobre a angústia do sucesso rapidamente se traveste num filme sobre a incapacidade de comunicação dentro do casal. Mas, sobretudo pelo falhanço que é a construção da persongem de Frank, com quem Sam Mendes parece ter sido brando, a credibilidade emocional é rapidamente posta em causa e só um espírito masoquista faz atravessar a sua vida com a vida dos Wheelers. Falta sempre vida à história, cuja inverosimilhança emocional transforma a evolução dos acontecimentos nisso mesmo, numa evolução de acontecimentos relativamente pouco convincentes. Sam Mendes quis ir de A para B e achou que o melhor caminho era a recta, mas o cinema não é geometria. Apesar de tudo, há duas grandes cenas em Revolutionary Road: quando Frank confessa o adultério a April (mérito a Richard Yates) e a fuga para o bosque de April (mérito a Sam Mendes), com o virar de cabeça ao lusco-fusco mais assustador da história do cinema. Infelizmente o resultado final é heterogéneo e prejudica aquilo que poderia ter sido um grande filme (e que deverá ser um grande livro, graças a Deus que existe a Amazon.)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Milagre

(Viram? Viram? Viram? Como uma vitória do Sporting sobre o Benfica tem o condão de fazer ressuscitar os mortos?)

Resumo alargado da cerimónia



E muito jeitoso que é aquele rapazote australiano.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Slumdog

Devo a Slumdog Milionaire a descoberta de uma nova estratégia para lidar com eventos traumáticos que, até ao dia de ontem, eram lidados com recurso a acções paliativas e de sinal contrário. A angústia filosófica que se abateu sobre mim acerca do paradeiro da equipa do Benfica na segunda parte do jogo de Alvalade (Alexandra Solnado, alguém?) foi visceralmente substituída pela angústia filosófica que se abateu sobre mim sobre o paradeiro do mínimos olímpicos que supunha estarem presentes nos processos de criação das listas dos prémios cinematográficos. Mesmo colocando a hipótese de 2008 ter sido um ano falhado para a indústria do cinema (o que nem é verdade) escapa-me que se tenha de premiar o menos mau dos concorrentes em vez da não atribuição de prémio «por falta de qualidade das entradas». Mas nem isso é verdade, nem serve para apaziguar a minha relação com a humanidade que, julgava eu, é constituída por milhões de outros indivíduos a quem eu sou obrigado a chamar de «semelhantes».

O burburinho crítico (e as ofertas de pancada lá no Ípsilon) que se levantou sobre Slumdog Millionaire centrou-se a volta dos supostos méritos ou deméritos morais do filme, sobre a legitimidade intelectual do exercício de exploração mais ou menos fútil da redução de uma realidade complexa a pano de fundo estético de um suposto épico moderno. A lógica é dickensiana e o objectivo é forçar (e forçar aqui é eufemismo) a simpatia do espectador por Jamal Malik, um jovem oriundo da merda dos bairros de lata à procura do amor (o jovem, não os bairros de lata, esses não estão à procura de nada, muito menos de Danny Boyle). Haveria dois caminhos possíveis para absolvição de Slumdog Millionaire. Das duas uma: ou estaríamos perante um exercício que utiliza um background problemático apenas para enquadrar uma história de amor tocante (do geral para o particular), ou perante um exercício sobre uma história de amor banal utilizada para denunciar um contexto social e político digno de denúncia (do particular para o geral.) Que Danny Boyle consiga falhar com igual estilo nas duas vertentes só deveria ser objecto de reflexão se a pura estética do filme não o desqualificasse à partida como objecto de cinema. A estrutura do filme, com os seus planos oblíquos, a sua montagem frenética, a sua edição de som maniqueísta (chega de comboios, já percebemos que eles são ruidosos), a sua lógica fundamental de fuga para a frente, parece escolhida para esconder a ausência de ideias ou de gestos dignos desse nome. A ideia é agitar agitar agitar até o espectador se sentir, lá está, agitado.

Depois há todo o portfolio de cenas que escapam a qualquer tentativa de enquadramento no panorama geral do bom gosto: a cena dos turistas americanos («You wanted do see the real India? This is the real India» «And this is the real America, son: here you go, take this money»), a cena da morte provocada do irmão do protagonista («God is great»? What the fuck?), ou o mergulho no poço dos excrementos (auto-explicatória), qualquer uma delas uma óptima metáfora do próprio filme. Slumdog Millionaire é um dos filmes mais esvaziados de humanidade a que já tive o privilégio de assistir, e só não é totalmente nulo nesse capítulo devido à dimensão humanitária que assumiu junto da minha existência ao ter transformado, por comparação, a exibição de ontem do Reyes e companhia numa coisa que «não foi assim tão má».

O eventual óscar para melhor filme para Slumdog Millionaire não é só um erro (graças a Deus a história da Academia é uma história de erros): é a substituição de uma ideia de cinema por outra que não só lhe é oposta como abertamente hostil.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Gosto muito

«Gosto muito de cinema, mas gosto muito mais de Clint Eastwood.»

Ricardo Gross

Carta aberta à FNAC Chiado

O vosso site está em baixo. Por muito que me contente por ver coisas francesas em baixo (e contento) esta está a chatear-me particularmente. Foi hoje posto a circular um livro chamado Pastoral Portuguesa, de Rogério Casanova, que os senhores não só devem ter recebido como julgo que não o devem ter deixado passar em claro: é verde e preto e a capa apresenta, para além de uns elogios que são, garanto-vos, modestos, uma mulher nua a tentar provar que está sóbria. Este fim-de-semana é fim-de-semana de carnaval, e os fins-de-semana de carnaval são fins-de-semana compridos, com ponte incluída. Está sobre a mesa a hipótese de me deslocar para fora de Lisboa durante esta época festiva, embora eu não confirme nem desminta que esteja a fugir seja do que for, o que, a acontecer, se realizará lá para domingo (a omnipresença ainda é uma característica em falta da Sporttv, e amanhã há jogo grande, o que inviabiliza que o meu êxodo seja mais precoce). A vossa loja cruza-se tangencialmente com o meu trajecto diário. Separam-nos três pisos de escadas porque eu não uso os vossos elevadores. Não é nada de pessoal: quando o sol começa a aparecer e a temperatura a sair dos níveis civilizados eu passo a evitar espaços fechados e fracamente ventilados. Espero que percebam que o sítio para onde me preparo para passar o fim-de-semana comprido não tem acesso à internet - mas tem, eu sei que perceberam, acesso à TVI, estação televisiva que retransmitirá a cerimónia de entrega dos óscares na madrugada de domingo para segunda-feira, e este ano há Penélope Cruz nomeada (mas não há Rachel Weisz, preciso de conforto). Passo então a explicar o que se irá passar. Como o vosso site está em baixo, não pude confirmar a correcta inscrição do título em questão no vosso catálogo, o que, no entanto, não me irá demover de acertar ligeiramente o meu passeio e de me sujeitar aos 65 degraus de pedra que nos separam. Vou fazer um esforço de o encontrar sozinho, embora a minha fé nesse capítulo seja diminuta. O que eu desejo que aconteça é que o vosso funcionário que me atender depois de eu ter confirmado o inevitável consiga fornecer-me a informação pretendida, isto é, a correcta localização de Pastoral Portuguesa, de Rogério Casanova, nas estantes da vossa loja. O não cumprimento desta expectativa poderá estragar-me o fim-de-semana, e notem que eu já não estou muito bem disposto com esta coisa toda do entrudo. São neste momento três da tarde; têm três horas e meia para se organizarem até à minha ETA*. Nada de palhaçadas.

O vosso,

Lourenço

* N. T.: Estimated time of arrival.

Mas não sei

«Há também pessoas que não têm sonhos, delírios, contrafacções, coisas ordinárias, sujeirinhas, porcarias, desvios. Mas não sei se são normais. E por aí fora.»

Francisco José Viegas

O (e)leitor

Numa discussão na faculdade de direito de Heidelberg retratada em O Leitor (atenção, spoiler) sobre o julgamento em curso de antigos oficiais nazis, o professor (o sempre recomendável Bruno Ganz) explica o mundo desta maneira: «As pessoas julgam que a sociedade se rege pela moral, mas isso não é verdade; nós regemo-nos pela lei, e por isso não interessa saber se as coisas foram certas ou erradas, mas sim se foram legais». E adianta: «segundo as leis de então». Para se saber se alguma coisa é legal ou não, é preciso prová-lo. Nunca saberemos o que Sócrates fez ou não fez na escritura de compra da sua casa. Só sabemos que o fez já enquanto Ministro-Adjunto e suspeitamos que toda a gente o fazia na altura. O quê? Não sabemos, não saberemos, seria injusto estar a supôr. Em O Leitor, seis mulheres estavam sob julgamento. Seis de entre as milhares, milhões de pessoas que fizeram na altura o que toda a gente fazia, o que toda a gente sabia. Cinco mentiram como puderam e incriminaram uma outra. Levaram quatro anos e meio de prisão. A sexta, analfabeta, directa, contou o que se tinha passado. Não teve a mesma sorte.

O leitor

The Reader: Milk passou a ser o segundo favorito.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Doubt

Há muitas sugestões que deveriam ter sido feitas a John Patrick Shanley quando este preparava a adaptação da sua peça Doubt ao cinema. A primeira é a de que não se deve estoirar todo o orçamento nos actores, mesmo que se queira fazer um «filme de actores». E que um «filme de actores» não pode deixar de «um filme». Surpreendentemente acabamos por ser conduzidos à conclusão de que o casting falhou, sobretudo na contratação de Meryl Streep e de Seymour Hoffman: Streep porque já lhe vimos fazer bem melhor (não era preciso Meryl Streep para isto), e Seymour Hoffman porque lhe falta alguma ambiguidade para suportar o papel. A sua estratégia para alcançar «a dúvida» passou mais por uma certa bipolaridade nas reacções e não tanto pela desejada fragilidade da incerteza (as cenas de missa são particularmente pouco verosímeis). Viola Davis, com uma cena monumental, e Amy Adams, a personagem mais complexa da história, levam todos os créditos para casa, e isso é muito quando se está na presença daqueles dois pesos pesados.

A segunda seria dizer a Shanley que não desmonstrasse tanto medo como demonstra em Doubt. A adaptação de uma peça ao cinema - e sobretudo se está a ser feita pelo próprio - deveria acusar a mudança de registo. Doubt é um filme estruturado como uma peça: poucos actores em cada cena, cenas compridas, muito texto, muito texto, muito texto. Quando isso resulta bem, como na já referida cena de Viola Davis ou na cena a três no gabinete da directora da escola onde é feita a acusação ao padre, vale muito a pena; quando isso não acontece, sobra espaço e as personagens ficam demasiado soltas no vazio. Em palco, a cara e a postura do actor podem concentrar toda a atenção do público; na tela, quando o cenário passa a ambiente físico real, esperamos algo mais. Esse algo mais raramente acontece em Doubt (na cena de Viola Davis, por exemplo, é o clima que cumpre esse papel através do vento) e fica sempre um sentimento de insatisfação a pairar.

Teria sido interessante e útil para Shanley se se tivesse forçado a uma descolagem da peça, como por exemplo a transposição temporal da acção. Tirando a referência a JFK, não parece haver muito que impeça aquela história de acontecer nos dias de hoje (com as devidas adaptações de comportamento). Por exemplo. Sem algum elemento desse tipo Doubt resultou num filme preguiçoso, que sabia contar com uma ideia muito boa, com intérpretes muito bons, e que pôs o ponto morto mal se viu a descer suavemente a estrada. Não chega.

Fiquei com vontade de ir a Torres Vedras



O que me continua a espantar é verificar que ainda há gente que não percebeu que tentar impedir a liberdade de expressão é como esbracejar em areia movediça. Feitiço contra o feiticeiro, tiro pela culatra, rings any bell? Obrigado Carlos Miguel, o povo está contigo.

Adeus, leitor

Ainda sobre a questão do casamento de pessoas do mesmo sexo (acabei de perder os últimos 3 leitores) há dois paradoxos naquilo que tem sido a posição da Igreja. O primeiro tem a ver com a ideia de que a instituição «casamento» é demasiado importante e estruturante da sociedade para que se possa alterá-la. O paradoxo está no facto de se estar a considerar o casamento demasiado forte e demasiado frágil ao mesmo tempo: se o «casamento» é um dos pilares centrais da «sociedade», ele não será ameaçado por esta alteração à lei; se se confirmar essa ameaça, então é porque não era «estruturante». O segundo paradoxo tem a ver directamente com a Igreja. A alteração à lei do casamento civil vai contribuir para o distanciamento entre as figuras de «casamento civil» e «casamento religioso» (entre o contrato e o matrimónio), o que parece dar força ao casamento religioso, e não o contrário.

Que fique bem claro que eu acredito na absoluta superioridade moral do matrimónio sobre o casamento civil, ou não fosse eu crente.

Certeza

Para todos os efeitos, eu estou a preparar a moção de estratégia de ataque a Doubt, um dos filmes mais falhadados que vi ultimamente (safam-se, esta vai como freebie, Viola Davis e os olhos impossíveis de Amy Adams).

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Pariculaaliee

Nunca ouvi um americano pronunciar correctamente (já nem digo com recurso a alguma beleza fonética) a palavra «particularly».

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Isto

Isto (gesto com o braço) está cheio de malucos.

«já viu o Rojas e o Escalona como laterais titulares do SLB»

Primeiro como tragédia, depois como farsa, no Obrigado Sá Pinto.

Step forward

East Timor's First Female Dictator Hailed As Step Forward For Women

«deu-se a primeira martelada na chapa da ditadura automóvel na cidade de Lisboa»

bate-chapas: a reconquista, um grande, grande texto do João.

Uma certeza, dois erros, e uma dúvida

Uma certeza: O Prós & Contras, contra toneladas de provas materiais de sentido inverso, é um programa útil. A sessão de ontem, dedicada a provar que os dirigentes do CDS geram as pessoas mais interessantes (Eduardo Nogueira Pinto, Isabel Moreira, já lá vamos), foi, incluindo Fátima Campos Ferreira, de uma utilidade assombrosa: serviu para perceber que esta discussão, aquela discussão, não tem condições para ser levada a cabo com um mínimo de seriedade e bom senso. Ontem estiveram presentes nos estúdios da RTP várias pessoas educadas e com recursos retóricos acima da média (salvo raras excepções) e nem isso salvou o programa da, e aqui recorro à gíria técnica, peixeirada. O Prós & Contras, Fátima Campos Ferreira incluída, é apenas o retrato da nossa mediocridade. Moving on.

Os dois erros: Há, isto dá jeito, dois erros fundamentais neste debate que estão a atrapalhar a produção de resultados úteis. Um erro do lado no «sim», e um erro do lado do «não».

Primeiro erro - o do «não»: Eu concordei com quase tudo o que disse o Eduardo Nogueira Pinto. A sua argumentação centrou-se em dois pontos que me parecem irrefutáveis: o de que o casamento heterossexual tem uma importância social fundamental; e o que considera ser um absurdo falar-se em discriminação (em abstracto) quando se fala na impossibilidade de dois homossexuais se casarem. Ora, apesar disto, acho que a defesa do «não» cai por terra quando identificado o seu pecado original: o facto de não estar em causa a relevância social do casamento heterossexual pelo alargamento da instituição aos homossexuais (estou a simplificar). A importância estruturante que o núcleo familiar «tradicional» tem para o equilíbrio social é demasiado forte para que se possa pôr em causa; isso, contrariamente ao que defendem os que se opõem ao casamento homossexual, não está em causa. Não há nada que nos leve a concluir que o casamento se vai desmoronar como instituição com o alargamento do seu espectro. Nada; se houvesse, eu votaria não.

Segundo erro - Pondo de parte o argumentário jurídico ontem apresentado pela Isabel Moreira (que a minha mulher me garantiu ser irrepreensível), sou levado a concordar com quase tudo aquilo que foi dito pelos defensores do «sim» (à excepção da demagogia barata e das insinuações intelectualmente desonestas). Não encontro razões para que, dispondo de todas as liberdades e garantias devidas a um casal, adopção incluída, dois homossexuais queiram casar (essa instituição tão reaccionária), mas não encontro razões para o impedir. Posto isto, é importante que se ponha em evidência aquele que é o erro fundamental dos defensores do «sim»: a crença de que a alteração à lei implicará uma alteração «das mentalidades». Se eu estivesse convencido de que o alargamento da instituição casamento aos casais de pessoas do mesmo sexo significasse o fim dos suicídios de miúdos homossexuais, por exemplo, estaria na rua com os cartazes. A questão moral, se quisermos, é absolutamente urgente; é urgente, por exemplo, explicar às pessoas que elas vão ter filhos, primos, tios, amigos homossexuais, como fez bem a Isabel Moreira, e que é criminoso continuar a tratá-los como um desvio da norma, uma pessoa que correu mal. É urgente que se crie as condições para que um miúdo (ou miúda) de 13 ou 14 anos, que vive em Bragança ou Montemor, não se consuma numa luta interior entre as suas hormonas e os seus pais, que não se sinta forçado a negar aquilo que é, que daqui não se produza um cidadão traumatizado. Eu quero acreditar que a alteração do conceito de casamento vai alterar este estado de coisas, mas não consigo. Porque a orientação sexual é um sentimento demasiado forte para que se consiga eliminar por decreto todos os sentimentos homofóbicos. A lei poderá ajudar, mas os suicídios não vão acabar. É importante termos isto em mente para que o nosso discurso não se radicalize, que foi o que aconteceu à Isabel Moreira.

Uma dúvida: A Isabel Moreira é gira? Não cheguei a nenhuma conclusão sobre isto.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Chávez para siempre

É um daqueles paradoxos que insistem em não desaparecer: os ditadores chegam sempre democraticamente ao poder.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sobre a crítica de cinema

Bruno Nogueira e "Slumdog Millionaire", por João Lopes, que se tem dedicado nos últimos dias, com uma paciência de santo e uma elegância notável , a denunciar uma das características menos nobres da blogosfera (a tribalização do comentário) e a trazer alguma luz sobre a questão. O motivo foi um texto de Luís Miguel Oliveira no Ípsilon sobre Slumdog Millionaire e as reacções que ele provocou. A séries de posts tem gerado frases memoráveis de João Lopes

(...) A mais frequente dessas implicações é a de que o "entretenimento" está para um lado e o "pensamento" para outro. Ora, por mim, acredito numa lógica de constante miscigenação entre uma coisa e outra — nenhum prazer estético é alheio ao seu pensamento, do mesmo modo que qualquer pensamento sobre uma linguagem pressupõe uma ligação activa com algum espaço de prazer. (...)

e de Luís Miguel Oliveira

(...) Não estou habilitado a fazer uma hierarquia da gravidade semântica entre “puta”, “punheta” e “merda”, mas parece-me que venha o diabo e escolha. E se a “punheta” passa no Libération e a “merda” (que ainda por cima está no filme) não passa no Público há alguma coisa de errado com um dos jornais. (...)

frases retiradas quase ao acaso, o que serve para dizer que vale a pena ler tudo. Claro que ninguém me perguntou nada, e é por isso que, respondendo aos anseios do auditório, me preparo para pincelar (é sempre bom «pincelar») todo este regabofe com a minha própria e definitiva visão. Portanto: o celeuma que costuma gerar-se à volta da mesa sobre «o cinema» e «a crítica» é apenas o resultado de dois factores muito precisos, que, para vossa sorte, me preparo para elencar.

1. (Um): A arte comove, e a comocão desarma-nos. O cinema, por ser a mais narrativa das artes, é a arte com maior capacidade de nos expôr ao embaraço. Chorar no E.T. não é currículo que se apresente (atenção, eu não estou a confirmar nem a desmentir que tenha chorado no E.T. nem, já agora, na meia-final do Euro-92 que opôs a Holanda à Dinamarca e que a Holanda, então com a melhor equipa do mundo - Gullit, Van Basten, Rickaard, Bergkamp - acabou por peder nos penalties, não acreditem no que se diz para aí) nem motivo de orgulho para ninguém. Quando um grupo de pessoas se predispõe a discutir determinado filme é raríssimo que daí surja algum resultado interessante, porque o que está em disputa são reacções emotivas a objectos artísticos concretos e não os méritos ou deméritos dos artistas. O que se discute no cinema não é tanto aquilo que ele faz mas aquilo que ele nos faz, e nós sabemos que, infelizmente, não controlamos a evolução do batimento cardíaco, da transpiração ou da tensão muscular. Em última análise, as discussões acaloradas que se geram sobre este ou aquele filme são discussões acerca de nós próprios e da nossa intimidade despudoradamente revelada. O máximo que conseguimos fazer é tentar enquadrar a opinião do outro num conjunto de condições conjunturais que a explique, o que não deixa de ser uma atitude algo condescendente, para que o «confronto» não descambe em «conflito», como diz o João Lopes. E porque, ao contrário da literatura (que não é objecto de tanta tribalização), o cinema é também uma experiência colectiva (ir ao cinema sozinho continua a não fazer parte das actividades socialmente aceites); é, se quisermos, a colectivização da intimidade, uma ideia que arrepia, confesso.

2. (Dois): A inveja. Imaginar que há pessoas que são pagas para ver filmes e escrever sobre eles suscita-nos a maior das reservas motivada por esse sentimento nada nobre que é a inveja. Consigo encontrar aqui um paralelo com a arquitectura: é muito frequente as pessoas dizerem que, se não tivessem escolhido a ________ (inserir profissão) gostariam de ter estudado arquitectura, o que contrasta com a generalizada insatisfação dos arquitectos. Num caso como no outro, a imagem pública dessas actividades é uma deturpação daquilo que elas de facto são. Confundir a crítica de cinema (que como qualquer actividade crítica é dificílima e muitas vezes injusta) com um exercício de opinião sobre o gosto gera facilmente a animosidade geral. O que escapa muitas vezes à compreensão do público é a dificuldade que o crítico tem em não deixar contaminar a sua apreciação crítica pela sua reacção emocional ou, o que talvez seja a mesma coisa, conseguir extrair dessa reacção epidérmica matéria passível de contribuir positivamente para a crítica. É com grande pena e tristeza que assisto com frequência a conversas sobre determinados filmes que começam com a desqualificação a priori da crítica que, talvez paradoxalmente, acaba por ser usada como mapa sugestivo mas ao contrário, o que acaba por não fazer qualquer tipo de sentido: a «crítica» raramente é unânime e coerente como um todo; «a crítica» não existe. Esta hostilidade que agora encontrou terreno fértil nos blogues e nas respectivas caixas de comentários nasce sobretudo de uma incompreensão face àquilo que é a actividade crítica. Um texto crítico sobre cinema não serve para se concordar ou discordar (como também não deveria servir uma conversa entre amigos); serve, isso sim, para enriquecer a nossa experiência enquanto espectadores.

Apesar de tudo, o cinema e respectiva crítica são actividades afortunadas: chegará o dia em que a crítica literária será discutida com tanta paixão aos balcões dos cafés, que as pessoas citarão o «António Guerreiro» e o «Eduardo Pitta» violentamente, que dirão, alto e em bom som, «os últimos livros do Don DeLillo têm sido uma merda», e assim.

Mudança de paradigma

Entretanto, Maitê está namorando de novo. Adivinha quem? Já não há respeito pelo imaginário pré-hormonal de uma geração inteira. Ai é só o meu? Não há respeito de qualquer maneira.

Killin' Nazis



Depois da ensaboadela de filmes sobre, como é, os sentimentos e assim que estão a encher as salas e as nomeações (e sobre isto vale a pena dizer os wrestlers que assistiram à estreia de The Wrestler choraram, quer dizer) é um grande paliativo assistir ao trailer de Inglourious Basterds, o mais recente opus tarantiniano. Caramba, que belo dia, vou fazer o IVA.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

«eu tendo a remar contra a maré até porque desconfio, por natureza, dela»

Manuela e a fronda, por João Gonçalves.

Panamá

«Panama, A Shortcut With A National Anthem.»

Our Dumb World: The Onion's Atlas of the Planet Earth

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Intellectual



Tenho um fascínio natural pela vida privada dos intelectuais, de que não me orgulho, não tanto por essa dimensão «intelectual» do conceito mas mais pela dimensão «vida privada». A publicação da tradução portuguesa de Intellectuals, de Paul Johnson, parecia ser o livro indicado para mim, mas as mixed reviews que recebeu deixaram-me céptico: de um lado está Rogério Casanova, que escreveu dois textos, um no blogue outro no Expresso, onde dizia que o livro era uma merda; do outro, estão aqueles, quase todos, que a consideraram «uma obra fundamental». O desiquilíbrio da distribuição do número de opiniões favoráveis e desvaforáveis traçou um caminho claro. Eu sou fraco e fico sempre do lado dos mais fortes: deixei o livro na estante da loja e fui à procura da felicidade para outro lado. Felizmente David Reiff veio em meu auxílio e decidiu-se a publicar os diários da mãe que, olha, foi uma das «maiores intelectuais» do século XX e, num pormenor que ajuda sempre as biografias e os diários, bissexual. Quebrando a regra de ouro que estabelece que os prognósticos só devem ser feitos no fim do jogo, confesso que a minha expectativa é grande: acho mesmo que isto ainda deve ser mais sumarento que o Bilhete de Identidade de Maria Filomena Mónica, até porque a rebeldia de Maria Filomena Mónica parou à porta da orientação sexual, o que é uma pena. Ou seja, ficarei extremamente desiludido se Susan Sontag também só mencionar muito de raspão o Vasco Pulido Valente.

E não é difícil de perceber quem fará as vezes de Mainardi

«Outro formato, do género de Manhatan Connection , terá as participações dos jornalistas Fernanda Câncio, João Pereira Coutinho e Francisco José Viegas.»

Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade

Caiu o recorde de Nuno Marques. Frederico Gil is in the house.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O Darwinismo explicado

«Às vezes, as coisas acontecem.»

Cristiano Ronaldo, 11.02.2009

you will discover, with a thrill of horror, that you are obliged to think

É mais ou menos consensual que Orthodoxy explica tudo. Tudo? Sim, tudo. Até, imaginem, a crítica de arquitectura:

Long words go rattling by us like long railway trains. We know they are carrying thousands who are too tired or too indolent to walk and think for themselves. It is a good exercise to try for once in a way to express any opinion one holds in words of one syllable. If you say "The social utility of the indeterminate sentence is recognized by all criminologists as a part of our sociological evolution towards a more humane and scientific view of punishment," you can go on talking like that for hours with hardly a movement of the gray matter inside your skull. But if you begin "I wish Jones to go to gaol and Brown to say when Jones shall come out," you will discover, with a thrill of horror, that you are obliged to think. The long words are not the hard words, it is the short words that are hard. There is much more metaphysical subtlety in the word "damn" than in the word "degeneration."

Orthodoxy, G. K. Chesterton

Celebremo-lo



Voltas

Em Os Detectives Selvagens diz-se às tantas que uma personagem «deu uma volta de 90 graus». Eu não sei se repararam, mas esta é a formulação correcta da expressão para que ela tenha o sentido que nós queremos que ela tenha. Até ontem eu era como todo o comum mortal: reagia com sarcasmo a cada vez que alguém dizia «dar uma volta de 360º» (geralmente jogadores de futebol) julgando que o correcto seria «dar uma volta de 180º». Ora, tal não está, também, exacto. Porque se damos uma volta de 180º alteramos o sentido da caminhada mas não a direcção. Dar uma volta de 90º representa com exactidão uma alteração de sentido e de direcção, uma alusão precisa a uma mudança radical de vida. Se bem que «uma volta de 37º» também cumpra com dignidade o papel. Ou mesmo de 16,7º.

Olha obrigadinho

«(...) o declínio das vocações tem descido a pique (...)» e ninguém me avisa? Nada? Alguém leu, sequer? Eu escrevi isto há dez horas, dez horas de infame transladação de sentido, e nem um «vai aprender a escrever, cabrão»? A minha desilusão consigo, leitor, só é superada pela minha desilusão comigo próprio. É o que o safa. Estou de rastos, de rastos, acabei de vomitar o pequeno-almoço todo.

(Vou editar o post. Que se lixe o respeito pelo leitor. Você perdeu-o todo.)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Milk e o exemplo das freiras

São raras as cenas em Milk nas quais se retrata o confronto de argumentos sobre os direitos civis dos homossexuais. Por ser contada através do point of view do mártir, essa troca de argumentos não chega a ter interesse porque é um dado adquirido que estamos perante «os bons» e «os maus» (quase como num western). Apesar disso, há duas ou três cenas escolhidas para ilustrar o tipo de argumentação que fervilhava no campo de batalha. Numa delas, Harvey Milk encontra-se num debate com o senador John Briggs, dinamizador da Proposition 6 que visava impedir que gays e lésbicas fossem contratados para o lugar de professor nas escolas públicas da California. Face à argumentação de Briggs que defendia que um professor gay era um inevitável incentivo à homossexualidade, Milk responde dizendo: «Senador, se o comportamento dos professores tivesse alguma influência no comportamento dos alunos, nós veríamos muito mais freiras nas ruas, não acha?» O auditório ri e o assunto fica resolvido. Infelizmente, esta resposta de Milk é despropositada por dois motivos muito concretos, muito definidos, muito percebidos por mim. Primeiro: ao fazer essa comparação, Milk dá o flanco ao abrir a possibilidade de a homossexualidade ser uma escolha, que é precisamente a base de sustentação da argumentação do adversário; segundo: o declínio das vocações tem descido a pique crescido com o declínio da influência da Igreja na sociedade, isto é, com o declínio do número de freiras nos lugares de professor, o que inverte por completo o resultado do argumento de Milk. Apesar destes pequenos deslizes lógicos (que são factuais, já vi a mesma cena no documentário dos anos 80), Milk é um grande filme e Gus van Sant redime-se em grande estilo da xaropada que foi Last Days.

20 de Feveiro



«5 estrelas», in Complexidade e Contradição assim que o tiver lido.

Nada a festejar

Eu há uma coisa que não percebo (é mesmo só esta): a celebração do segundo aniversário do 11 de Fevereiro de 2007, a data do referendo à «despenalização da interrupção voluntária da gravidez». Não percebo que se ande por aí a comemorar a efeméride (com evocações mais ou menos patetas de «vidas inteiras de luta», com pessoas que se lembram perfeitamente onde estavam quando saiu a primeira sondagem à boca das urnas, e isso) sem que ninguém, ninguém, se preocupe com os números e tente saber porque razão é que nos últimos dois anos se fizeram 16 mil (ou lá o que é) abortos legais em Portugal. A vitória é só isto, poder fazer-se sem que ninguém chateie? E a luta pela prevenção, pela educação, pelo fim da vergonha que é este acto? Atenção que eu votei sim e voltaria a votar sim, mas pensei que estaríamos hoje, dois anos depois, a festejar o fim dos abortos clandestinos (alguém? há dados?) e a diminuição radical no número de abortos realizados no país. Sem a concretização deste cenário não há nada a festejar.

Qualidade de vida

Qualidade de vida? Vou hoje almoçar um cozido a casa da minha avó que vive a dois quarteirões do meu local de trabalho.

Não está

Hoje de manhã, no metro, uma mulher lia a secção de classificados de emprego do Correio da Manhã. Uns minutos mais tarde reparo que está a ler uma revista sobre «bebés». A vida não está fácil.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Medo

Faz de conta que a paridade existe.

(Há merdas em que eu sou, para simplificar, «de esquerda» (lagarto, lagarto, lagarto). Aquela merda dos charros e dos gays, e esta merda das mulheres. Se bem que esta questão não pode correr o risco de ser comparada àqueloutras. A despenalização do consumo de drogas leves só afecta quem quer consumir drogas leves em restaurantes e locais de trabalho (nos outros sítios já está tacitamente despenalizado há muito) e o casamento dos gays é uma questão demasiado exdrúxula para me comover - mas sim, tragam lá o papelinho que eu voto sim. Agora a discriminação das mulheres no local de trabalho é revelador do medo que os homens têm das mulheres, e eu, sendo homem, não gosto dessa imagem. Tenho ouvido vários homens defenderem que «não é a mesma coisa», que trabalhar com mulheres é «o pior que há», que «se querem ter filhos, têm de perceber que isso é um opção», etc., etc., etc., e juro que não estou a inventar nada disto, foi-me dito por gente que estudou e que é quadro e desempoeirada e acha tudo normal, assobia para o lado que as únicas gajas que se podem aturar são as boas e mesmo assim caladas. E depois há o absurdo de vermos que grande parte das mulheres que «vão longe na vida» tendem a mimetizar os piores defeitos dos machos alfa, são más para outras mulheres e usam calças e são secas e toda a gente murmura que são infelizes. Mas isto não é uma questão de carácter, do carácter de uns quantos: esta é uma questão de civismo e de sanidade mental. Porque, meus amigos, com isto estamos a criar um monstro: mulheres que não querem, melhor, que querem mas têm medo de ter filhos. A isto chama-se barbárie.)

O dia seguinte



(Obrigado ao João)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Efemérides

Darwin (Charles) e Lincoln (Abraham) nasceram no mesmo dia (12 de Fevereiro de 1809). Não se preocupem, eu também não sabia.

«Inconsútil»

Nem tudo está perdido neste texto: aprendi, por exemplo, uma palavra nova.

O darwinismo no Livro do Génesis

O problema do ateu darwinista, para além de ser o mais equivocado dos ateus, está no facto de acreditar na evolução de todas as coisas do universo à excepção da religião. Uma premissa religiosa do século XVIII que seja destruída pelo darwinismo equivale à destruição de qualquer premissa religiosa. Com a especial agravante que o darwinismo já estava no Livro do Génesis, que apresenta uma cronologia inatacável. (cont.)

Parecendo que não, chateia

A capa d'O Jogo (eu leio O Jogo com muita assiduidade), bem como um comentador da TSF, bem como, julgo, o Vasco Lobo Xavier, diz que «castigo máximo dá justiça» ao resultado, texto que acompanha a manchete «Erro confirma líder». A primeira nota a fazer é uma nota de pesar pela «justiça» em Portugal, uma palavra a caminho da abstração* total, esvaziada de significado que tem sido ao longo dos anos e que já se confunde com «aquilo que a gente acha que devia ser»; a segunda nota é para enviar uma saudação a Quique Flores: não tendo ainda o Benfica equipa para ganhar nas Antas (eu chamo àquela merda «Antas» se quiser), porque não tem, mesmo com aquele Porto tão e tão à imagem de Jesualdo, graças a Deus, perdão, Darwin, percebeu que aquilo iria acontecer e terá pedido um golo prévio só para dar um bocadinho de mais garantias que o jogo acabaria mesmo empatado. O homem tem visão. Entretanto:

«(...) É importante não esquecer que hoje o Porto tem um trunfo muito forte: o árbitro da partida vai ser Pedro Proença. E Pedro Proença é mais um daqueles árbitros que anuncia em público que é adepto do Benfica e depois passa a carreira a demonstrar a sua isenção prejudicando sistematicamente o clube. Para que Pedro Proença assinale um penalty a favor do Benfica é preciso que haja um homicídio na área adversária - e mesmo assim não há certezas. Para que assinale um contra o Benfica, basta que o vento agite a camisola de um adversário - ou nem isso. (...)»

Ricardo Araújo Pereira, A Bola 08-02-2009

* O Complexidade e Contradição está em fase de adaptação ao acordo ortográfico.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Rua da Prata, 7 de Fevereiro de 2009

Estime, com base nas imagens apresentadas, um prazo, em semanas, para as próximas eleições autárquicas:













sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Shusaku Endo

Fui informado de que há vários livros de Shusaku Endo traduzidos para português, no catálogo da ASA, ao que parece bem baratos (corre também por aí que Uma Vida de Jesus é especialmente recomendável, não sou eu que o digo, é a minha fonte que está muito bem colocada, podem confiar). É claro que eu sabia isto, como também sabia, claro que sabia, que Silêncio já foi adaptado ao cinema por João Mário Grilo (Os Olhos da Ásia). Estão perdoados, eu percebo que a minha modéstia vos induza em erro quanto ao meu domínio sobre estas matérias. O que vocês não sabiam, e eu vou passar a iluminar-vos, é que João Mário Grilo é um fã de Complexidade e Contradição em Arquitectura, de Robert Venturi, um título que, tal como Pastoral Americana não tem nada a ver com o nome do blogue do Rogério Casanova, não tem nada a ver com o nome deste blogue.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

De Marfa a Sebastião Rodrigues

No mesmo dia em que descubro que There Will Be Blood e No Country For Old Men foram forçados a partilhar o local de rodagem (Marfa, Texas), que Josh Brolin não só é uma pessoa infinitamente mais interessante do que Sean Penn como gere - com sucesso, aparentemente - fundos de investimento de milhões de dólares, chega-me ao conhecimento que Martin Scorsese tem um encontro marcado com Daniel Day-Lewis num filme sobre dois padres jesuítas do século XVII, Sebastião Rodrigues e Francis Garrpe, naquilo que é a adaptação de um romance de Shusaku Endo. Precisamente: tornou-se imperativo descobrir quem é Shusaku Endo. Melhor, quem foi Shusaku Endo. Meia dúzia de links volvidos e fiquei na posse da informação de que Shusaku Endo foi um escritor japonês católico, cuja escrita foi elogiada por John Updike e Graham Greene, que o catolicismo é a sua água, e que Sebastião Rodrigues é mesmo português. E além disso, o cabrão do Josh Brolin é um actor filha da mãe, mesmo. A data de lançamento do filme está ventilada lá para 2010 e pelos vistos corremos o risco de ver Benicio del Toro passar por português, uma espécie de vingança pelo Joaquim de Almeida. Pelo sim pelo não, já encomendei a última edição da obra, que conta com um prefácio de Scorsese.

Amanda



Tanto romance inócuo sobre o programa Erasmus e nunca vi nada assim. Could Amanda Knox really have done it? 

Alguma ordem no mundo

Aprendi ontem com Detectives Selvagens que no México os taxistas também são reaccionários.

The bird

Twitter? Prefiro o Tweety.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A minha raquete é igual à do Krajicec



De uma marca que eu não sei se ainda existe, a Yonex. Isto só para arrumar a questão do Krajicec e para dizer que o Ivanisevic é o meu canhoto preferido da história do ténis (sobretudo na versão penacho na cabeça.) À parte disso, eu continuo em luta contra o mundo, como a Anita Bryant, uma feroz opositora dos direitos dos gays e que está em muito bom plano em Milk (como está quase toda a gente, onde é que Gus van Sant faz os castings, ora aí está uma bela pergunta): o lado esquerdo do meu cérebro obriga-me a concordar com o exposto aqui pelo maradona; mas o lado direito continua a insistir naquela romântica ideia de beleza que me foi ensinada pela minha avó: a minha avó, que sabe mais de ténis do que vocês todos juntos, catalogava imediatamente qualquer jogador em função da beleza do seu ténis, e era assim que se ordenavam as coisas. «O Sampras tem um ténis mais bonito do que o do Agassi», ou «o Ivanisevic, se não fosse de Split, era o jogador com o ténis mais bonito do mundo», ou «pena que a lesão nas costas tenha cortado as pernas ao Edberg, um jogador com um ténis lindíssimo.» O maradona está coberto de razão quanto diz: «No ténis, como acho que no resto dos desportos, as pessoas sempre gostaram de uma única coisa: do talento que parece inato.» É precisamente esse argumento, aliado ao meu preconceito sobre qualquer pessoa que se deixe rotular como «especialista da terra batida», que não me deixa ver em Nadal o que toda a gente parece estar a ver. Se o talento é inato, por que é que ele precisa daqueles bícepes todos?

A não referência aos jogos de Wimbledon foram consequência da minha «falta de tempo» (não me ocorreu de imediato uma estratégia para as incluir sem que isso me obrigasse a rever a estrutura toda do universo), e mereço ser castigado por isso, eu sei.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Tudo isto é esquisito

Lista de jogadores que Sampras teve de superar nas finais para ganhar os seus grand slams:

Agassi;
Courier;
Pioline;
Todd Martin (já nem me lembrava deste);
Ivanisevic;
Becker;
Chang;
Moya;
Rafter;

adicionada à lista de jogadores que venceram Sampras em finais de grand slams:

Edberg;
Agassi;
Safin;
Hewitt;

Aspas aspas para Federer:

Philippoussis;
Safin;
Roddick;
Hewitt;
Agassi;
Bagdatis;
Nadal;
Gonzalez;
Djokovic;
Murray;

e agora as perdidas:

Nadal.

Nadal:

Puerta;
Federer;

e perdeu para:

Federer.

A federerização

Tendo a concordar com esta linha argumentativa do maradona quase na sua totalidade exceptuando os momentos em que ela é usada para desqualificar uma prévia linha argumentativa que eu próprio tracei. Claro que o paradoxo que daqui nasce é, na gíria política, uma óptima oportunidade para esclarecer alguns dos fundamentos que me nortearam. Há dois tipos de jogadores: aqueles que entram em campo para defrontar adversários concretos e aqueles que entram em campo para defrontar uma ideia de adversário que eles constroem na cabeça deles (todos os outros são sub-tipos: o Sampras, por exemplo, era um jogador que jogava contra, ou a favor, da sua ideia de piso enquanto eu próprio sou um, enfim, jogador que joga contra a ideia que eu faço de mim próprio). Nadal pertence ao tipo A, Federer ao tipo B. Para Nadal todos os outros jogadores são seres humanos com duas pernas e dois braços passíveis de serem derrotados; para Federer todos os outros jogadores são conceitos abstractos que representam uma redução daquilo que são às suas mãos. Isto é tão evidente que todos os jogadores que enfrentam Federer se vêem transformados no conceito federeriano deles próprios. Até nós, telespectadores, nos vemos transformados no conceito federeriano de telespectador, e isso às vezes contribui para uma certa falta de clareza que felizmente não me afecta. Nadal não está imune à sua federerização mas, tragicamente para Federer, Nadal é o único jogador do mundo que é inferior à sua federerização: o conceito federeriano para «Rafael Nadal» confunde-se com o conceito geral de «invencibilidade», e esta patologia vai-se agravando com o passar do tempo. Na final de ontem, que não foi um bom jogo de ténis como explicaremos em tempo próprio, Federer entrou em campo, como já demonstrámos, para defrontar o Rafael Nadal da sua cabeça e, tragicamente para Federer, Rafael Nadal não chegou a entrar em campo: quem entrou em campo foi mesmo o holograma federeriano de Rafael Nadal. Como também já foi explicado em sede própria, a federerização é suficientemente forte para operar uma transubstanciação nos outros meninos, e se isso geralmente costuma facilitar a vida a Federer, no caso de Rafael Nadal só impossibilita uma possível vitória. A verdade é esta: nenhum dos dois se supera quando se enfrentam, antes se anulam. Por isso discordo do maradona quando diz que esta final foi «muito melhor que qualquer das finais entre Agassi e Sampras». Não foi, porque as finais entre Agassi e Sampras tinham o condão de trazer à tona um Agassi e um Sampras que até esse momento não tinham surgido. Para Sampras ganhar a Agassi tinha de ser melhor do que Sampras e vice-versa; para Nadal ganhar a Federer basta que leve um espelho, o vire contra Federer e confiar na sua superioridade técnica. Tenho de ir trabalhar, mas não queria deixar de aqui deixar (ui ui) mais duas ou três notas: obviamente não conto com Roland Garros para a contabilização dos grand slams e por isso registo que, aos 22 anos, Nadal conseguiu o seu segundo (os mesmos que Federer tinha aos 22 anos e 9 meses, mas diferente dos que tinha Federer aos 22 anos e 11 meses, que eram 3), mas admito que isto possa ser um problema meu. Depois, há a teoria da conspiração: nos últimos anos temos assistido a uma desaceleração dos chamados pisos rápidos, incluindo o TGV de Wimbledon, e isso tem prejudicado o ténis mais bonito do mundo: o serviço rede está em vias de extinção, e isso é triste.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Kryptonite

Estou soterrado em coisas para fazer e por isso já fiz o devido copy / paste para o google docs, pelo sim pelo não. Apesar de tudo, há aqui bases para um entendimento, como por exemplo o facto de eu ter tido essa citação do Bernardo Mota («o gajo tem um medo dele que se péla») no corpo do post durante a versão draft - porque eu laboro iterativamente sobre os meus posts, como é sabido - no sentido de concordar com ela: o efeito kryptonitiano do Nadal sobre o Federer já deve estar documentado num artigo da Wikipedia qualquer, com certeza. Vou fazer trabalho de campo e já cá volto.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Ajudem-me

O atrevimento não teve outras consequências que o (in)esperado interesse que despertou o blog de ontem sobre Hillary Clinton e a sugestão de que recupere o seu autêntico apelido, Rodham. Não houve protestos diplomáticos, a Secretaria de Estado não emitiu um comunicado nem consta que no The New York Times se tenha feito eco do meu escrito. Amanhã mudarei de assunto. Entretanto, descanso e contemplo.

Li, reli, re-reli, li outra vez, repeti a leitura, repeti a repetição dessa leitura, tresli, re-tresli, bi-tresli, tri-tresli, fui ao google translator, experimentei o espanhol, o cubano, o norte-coreano, e juro que continuo na dúvida se há ou não aqui ironia.

(Entretanto obrigado ao Jugular)

A alegria da pluralidade do jornalismo desportivo



Roger vs. Federer

A primeira coisa que há a fazer é abater a tiro qualquer pessoa que alegue que esta foi mais uma final «mítica» e «hercúlea» e «estratosférica» e coisas dessas. Não foi, foi um mau jogo de ténis e há várias razões para explicar esse facto e todas gravitam à volta de uma ideia central: Federer esteve sozinho em campo nesta noite. Vão lá ver as estatísticas: mais winners, mais pontos, mais ases, mais duplas faltas, mais erros não forçados, mais tudo. Nadal, que não é assim tão mau, estava esgotado do jogo de ontem e percebeu que só tinha uma coisa a fazer: esperar. Ele que tem sempre uma vantagem sobre Federer, e não falo dos bícepes: mesmo como número um do mundo nunca entra em campo como favorito e isto começa a pesar sobre Federer. Este jogo, que se disputou entre Federer e Federer e que teve em Rafael Nadal o espectador com o melhor lugar, foi um festival de desperdício de bolas, com o suíço a explorar todas as maneiras possíveis de perder pontos. E se o ténis é um desporto onde é tão necessário ganhar pontos como não os perder (e desta nem Bernardo Mota foi capaz), hoje quer Federer, quer Nadal, entraram em campo para não os perder. Nadal pelas razões que já expliquei; Federer porque não é parvo e sabe que está muito longe do jogador que já foi e porque Pete Sampras esteve demasiado omnipresente. Federer jogou contra muita coisa e nenhuma delas foi Nadal: Sampras, a história, ele próprio, os cangurus e aquela namorada ou noiva ou lá o que é aquilo que ele tem. Foi, repito, um mau jogo, estou ligeiramente desapontado por não ter ficado a assistir pela madrugada fora ao empolgante Benfica - Paços de Ferreira de 1993 por causa do despertador de hoje. A vida não é fácil e por isso os «domingos» são um conceito em vias de extinção: vou tomar banho, meter uma bucha e vou trabalhar, para esquecer isto.

(Federer acaba de sair em lágrimas; em lágrimas. Os suíços também choram. Isto, como disse, não é nada fácil e parece que o Nadal também vai chorar. Desde que Sampaio dissolveu o Santana que não via tantas lágrimas. Apesar de tudo, ele vai lá chegar, ao décimo quarto, é uma questão de darmos tempo ao tempo e esperar por uma lesão do Nadal que é, como diz Bernardo Mota, «biomecanicamente» qualquer coisa, ou lá o que é.)

As fitinhas do Nadal

(Retiro tudo o que disse: Federer acabou de desperdiçar quatro - 4 - pontos de break no 4-4 do terceiro set, que esteve 0-40. Assim, amigo, não há coração que aguente. Por outro lado, as fitinhas nos joelhos do Nadal estão a transformar-se em «fitinhas» do Nadal, que tem convidado a presença do fisioterapeuta em todas as trocas de campo. O Nadal, já que aqui estamos, alia a velocidade de Michael Chang, a força de Thomas Muster e o bom gosto do primeiro Agassi - aquele com cabelo.)

Vamos ver como isto evolui

Atente-se à merda que era esta defesa: Fernando Mendes, Paulo Madeira, Hélder e Veloso (o Veloso, apesar de ter no currículo o facto de ser o pai do Miguel, era um jogador honesto.) Contudo, a partir daqui, o onze do Benfica no jogo contra o Paços de Ferreira (capitaneado por Jaime Pacheco) de, julgo, 1993, que a BenficaTV me ofereceu ontem à 01:30 da manhã com o auxílio desse património incalculável que é o «arquivo» da RTP, era assustadoramente bom e conseguiu deixar-me ainda mais deprimido (eu só poderia estar deprimido para estar a ver a BenficaTV à 01:30 da manhã.) Vejamos. Primeiro, o resto da constituição completa: Paulo Sousa, Rui Costa, Pacheco, Paneira, Isaías e Yuran. Eu não digo isto apenas baseado nos nomes, digo-o com recurso ao meu visionamento daquilo que foi esse jogo que se desenrolou num estádio da Luz ainda sem cadeiras e com o betão todo à mostra devido ao facto de, apesar dos bilhetes custarem na altura mil paus, estar às moscas e entregue às faixas das claques (descobri, porque não sabia, que o SLB teve uma claque que ia pelo nome de «Fanatics»). Meu Deus, meus Deus: já nem falo do Paulo Sousa - então ainda e apenas o «Sousa» - nem do Rui Costa, a quem a História (com agá maiúsculo) reservou um cantinho muito especial (no caso do cabrão do «Sousa» por causa daquela coisinha que ele fez com o Pacheco nesse verão e que envolveu a margem errada da segunda circular, mas já vamos ao Pacheco), mas o que dizer de, por exemplo, Vítor Paneira? O Paneira, descobri ontem, tinha uma visão de jogo, técnica, velocidade e inteligência que transformam por comparação o Di Maria num Fábio Coentrão (fase Saragoça). O cabrão do Pacheco (v. «Paulo Sousa») era o jogador que o Reyes se imagina nos sonhos mais molhados, e é sem orgulho que admito isto. O Yuran era uma espécie de Lizandro Lopez mas em melhor, mais forte, mais rato, mais perigoso, mais bonito. Aliás, no banco do Benfica nessa tarde em que Jaime Pacheco capitaneou o Paços na Luz (aos 34 anos careca, careca, careca, graças a Deus) sentavam-se Kulkov (que maravilha de jogador, mas este eu lembrava-me), João Pinto e Aílton, que é um pouco diferente de ter Balboa, Aimar e Mantorras, como se deu ontem (e omiti por simpatia a 2009 o nome de Binya.) Tudo isto para chegar ao ponto central deste post, que era o responsável por haver, durante a minha pré-adolescência, um rosto bem definido em pelo menos um dos livros da Bíblia:



Entretanto, e sem que nada o fizesse prever, o Federer ganhou o segundo set, entusiasmou-se, olvidou a noiva ou namorada ou lá o que é aquilo que ele tem, soltou um sorriso e parece agora que talvez nem perca isto. Vamos ver como isto evolui.



(Só um exemplo, só um exemplo: o golo de Isaías que se pode observar aos 02:54 deste vídeo, marcado ao «melhor guarda redes de todos os tempos» Vítor Baía, que me deixou aos pulos numa casa alugada para o Verão em Vilamoura. E já que aqui estamos, aguentem só um bocadinho e observem a gravata do Toni aos 03:22; não têm nada que agradecer.)