quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Milk e o exemplo das freiras
São raras as cenas em Milk nas quais se retrata o confronto de argumentos sobre os direitos civis dos homossexuais. Por ser contada através do point of view do mártir, essa troca de argumentos não chega a ter interesse porque é um dado adquirido que estamos perante «os bons» e «os maus» (quase como num western). Apesar disso, há duas ou três cenas escolhidas para ilustrar o tipo de argumentação que fervilhava no campo de batalha. Numa delas, Harvey Milk encontra-se num debate com o senador John Briggs, dinamizador da Proposition 6 que visava impedir que gays e lésbicas fossem contratados para o lugar de professor nas escolas públicas da California. Face à argumentação de Briggs que defendia que um professor gay era um inevitável incentivo à homossexualidade, Milk responde dizendo: «Senador, se o comportamento dos professores tivesse alguma influência no comportamento dos alunos, nós veríamos muito mais freiras nas ruas, não acha?» O auditório ri e o assunto fica resolvido. Infelizmente, esta resposta de Milk é despropositada por dois motivos muito concretos, muito definidos, muito percebidos por mim. Primeiro: ao fazer essa comparação, Milk dá o flanco ao abrir a possibilidade de a homossexualidade ser uma escolha, que é precisamente a base de sustentação da argumentação do adversário; segundo: o declínio das vocações tem descido a pique crescido com o declínio da influência da Igreja na sociedade, isto é, com o declínio do número de freiras nos lugares de professor, o que inverte por completo o resultado do argumento de Milk. Apesar destes pequenos deslizes lógicos (que são factuais, já vi a mesma cena no documentário dos anos 80), Milk é um grande filme e Gus van Sant redime-se em grande estilo da xaropada que foi Last Days.