Uma certeza: O Prós & Contras, contra toneladas de provas materiais de sentido inverso, é um programa útil. A sessão de ontem, dedicada a provar que os dirigentes do CDS geram as pessoas mais interessantes (Eduardo Nogueira Pinto, Isabel Moreira, já lá vamos), foi, incluindo Fátima Campos Ferreira, de uma utilidade assombrosa: serviu para perceber que esta discussão, aquela discussão, não tem condições para ser levada a cabo com um mínimo de seriedade e bom senso. Ontem estiveram presentes nos estúdios da RTP várias pessoas educadas e com recursos retóricos acima da média (salvo raras excepções) e nem isso salvou o programa da, e aqui recorro à gíria técnica, peixeirada. O Prós & Contras, Fátima Campos Ferreira incluída, é apenas o retrato da nossa mediocridade. Moving on.
Os dois erros: Há, isto dá jeito, dois erros fundamentais neste debate que estão a atrapalhar a produção de resultados úteis. Um erro do lado no «sim», e um erro do lado do «não».
Primeiro erro - o do «não»: Eu concordei com quase tudo o que disse o Eduardo Nogueira Pinto. A sua argumentação centrou-se em dois pontos que me parecem irrefutáveis: o de que o casamento heterossexual tem uma importância social fundamental; e o que considera ser um absurdo falar-se em discriminação (em abstracto) quando se fala na impossibilidade de dois homossexuais se casarem. Ora, apesar disto, acho que a defesa do «não» cai por terra quando identificado o seu pecado original: o facto de não estar em causa a relevância social do casamento heterossexual pelo alargamento da instituição aos homossexuais (estou a simplificar). A importância estruturante que o núcleo familiar «tradicional» tem para o equilíbrio social é demasiado forte para que se possa pôr em causa; isso, contrariamente ao que defendem os que se opõem ao casamento homossexual, não está em causa. Não há nada que nos leve a concluir que o casamento se vai desmoronar como instituição com o alargamento do seu espectro. Nada; se houvesse, eu votaria não.
Segundo erro - Pondo de parte o argumentário jurídico ontem apresentado pela Isabel Moreira (que a minha mulher me garantiu ser irrepreensível), sou levado a concordar com quase tudo aquilo que foi dito pelos defensores do «sim» (à excepção da demagogia barata e das insinuações intelectualmente desonestas). Não encontro razões para que, dispondo de todas as liberdades e garantias devidas a um casal, adopção incluída, dois homossexuais queiram casar (essa instituição tão reaccionária), mas não encontro razões para o impedir. Posto isto, é importante que se ponha em evidência aquele que é o erro fundamental dos defensores do «sim»: a crença de que a alteração à lei implicará uma alteração «das mentalidades». Se eu estivesse convencido de que o alargamento da instituição casamento aos casais de pessoas do mesmo sexo significasse o fim dos suicídios de miúdos homossexuais, por exemplo, estaria na rua com os cartazes. A questão moral, se quisermos, é absolutamente urgente; é urgente, por exemplo, explicar às pessoas que elas vão ter filhos, primos, tios, amigos homossexuais, como fez bem a Isabel Moreira, e que é criminoso continuar a tratá-los como um desvio da norma, uma pessoa que correu mal. É urgente que se crie as condições para que um miúdo (ou miúda) de 13 ou 14 anos, que vive em Bragança ou Montemor, não se consuma numa luta interior entre as suas hormonas e os seus pais, que não se sinta forçado a negar aquilo que é, que daqui não se produza um cidadão traumatizado. Eu quero acreditar que a alteração do conceito de casamento vai alterar este estado de coisas, mas não consigo. Porque a orientação sexual é um sentimento demasiado forte para que se consiga eliminar por decreto todos os sentimentos homofóbicos. A lei poderá ajudar, mas os suicídios não vão acabar. É importante termos isto em mente para que o nosso discurso não se radicalize, que foi o que aconteceu à Isabel Moreira.
Uma dúvida: A Isabel Moreira é gira? Não cheguei a nenhuma conclusão sobre isto.