quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Road to Perdition
Depois de ter chegado à fama com American Beauty, um filme que critica o «subúrbio» com recurso à construção de uma narrativa familiar deprimente, e de Road to Perdition, um filme de época com nome de estrada, Sam Mendes arrisca tudo em Revolutionary Road, um filme de época com nome de estrada que critica o «subúrbio» com recurso à construção de uma narrativa familiar deprimente. O filme, baseado num romance homónimo de Richard Yates que eu não li (a FNAC Chiado, continuando a sua very own road to perdition, não dispunha do título no seu plantel quando o procurei, apresentando antes um outro do mesmo autor que eu não fixei), tem como objectivo incomodar o espectador através de uma sequência de episódios incomodativos que se vão incomodando uns aos outros até ao ponto de acharmos que vai acabar tudo incomodado. A segunda cena do filme, a discussão no carro após a peça de teatro, faz as devidas apresentações: Leonardo di Caprio (aka o Cristiano Ronaldo da representação, se quiserem vou chamar a minha mulher para explicar isto) é Frank Wheeler, Kate Winslet é April Wheeler, e os Wheelers não se gramam. A acesa (eufemismo) troca de palavras que aí ocorre serviria como justa causa para qualquer divórcio antes da alteração da lei (agora parece que é tão fácil a alguém divorciar-se como ao Atlético de Madrid despedir treinadores), mas apesar disso somos convidados a acreditar que aquele casal tem um futuro risonho comum que os espera num ponto mais adiantado da sua biografia. Montado o resto do cenário (uns filhos fantasmagóricos, uns vizinhos esteticamente desproporcionais, e adultério q.b.) chegamos ao cerne da questão: April está insatisfeita com a vida e projecta em Cristiano Ronaldo todas as suas angústias, convencendo-o de que são as dele. Ele, que está bem na vida (amante à hora do almoço e promoção à vista), convence-se do que a mulher lhe diz (aka «casamento») e juntos dão as mãos no seu caminho para a perdição. O que de verdadeiramente incomodativo há no filme é a sua incapacidade de pôr o espectador a torcer pelos Wheelers. A dada altura estamos todos como o colega de Frank, que só quer que o seu nome não seja envolvido naquela história. O que começa por parecer um filme sobre a angústia do sucesso rapidamente se traveste num filme sobre a incapacidade de comunicação dentro do casal. Mas, sobretudo pelo falhanço que é a construção da persongem de Frank, com quem Sam Mendes parece ter sido brando, a credibilidade emocional é rapidamente posta em causa e só um espírito masoquista faz atravessar a sua vida com a vida dos Wheelers. Falta sempre vida à história, cuja inverosimilhança emocional transforma a evolução dos acontecimentos nisso mesmo, numa evolução de acontecimentos relativamente pouco convincentes. Sam Mendes quis ir de A para B e achou que o melhor caminho era a recta, mas o cinema não é geometria. Apesar de tudo, há duas grandes cenas em Revolutionary Road: quando Frank confessa o adultério a April (mérito a Richard Yates) e a fuga para o bosque de April (mérito a Sam Mendes), com o virar de cabeça ao lusco-fusco mais assustador da história do cinema. Infelizmente o resultado final é heterogéneo e prejudica aquilo que poderia ter sido um grande filme (e que deverá ser um grande livro, graças a Deus que existe a Amazon.)