sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Viva Paris
Woody Allen disse numa entrevista de promoção a Midnight in Paris que não se imagina mais feliz na Paris da década de 1920 por comparação a hoje, ou a qualquer época. A sua tendência para infelicidade resiste a qualquer contexto. Felizmente para nós, os filmes de Woody Allen não partilham dessa mundividência - na mesma entrevista, Woody Allen confessa que o realismo não vende bilhetes. Midnight in Paris é uma fábula para adultos que faz da década de 1920 uma época dourada de excelência para quem gosta de arte. É uma ternura infinita aquela que Allen usa para cobrir Hemingway, Gertrude Stein, os Fitzgerald (assim, como se fossem um casal amigo), Buñuel, Man Ray, Picasso («um génio!», diz o Hemingway de Allen, apesar de «não ser nenhum Miró») e um magnífico Adrien Brody no papel de Dalí. Esta gente toda faz parte do panteão artístico de Gil Pender, um argumentista de Hollywood que, apesar do sucesso comercial do seu trabalho, despreza aquilo que faz e sonha com uma carreira de romancista. O momento mais interessante do filme surge quando Gil é transportado à boleia de Adriana (ex-namorada de Picasso) para a sua própria era dourada, a belle époque de finais do século XIX, onde participam numa conversa com Toulouse Lautrec, Dégas e Gaugin sobre a decadência do presente (isto é, 1890) face à era dourada do renascimento («imaginem só o que seria pintar com Miguel Ângelo», diz, se não estou em erro, Dégas). Apesar de o fascínio pelo passado ser uma coisa relativamente recente na história da humanidade (só surgiu depois da História), percebemos que Woody Allen nos está a dizer que tudo o que vimos até aí é cinema, e que se estamos encantados com a Paris de 1920 isso se deve ao seu mérito enquanto cineasta, já que a Paris de 1920 não melhor do que a Paris de 1890, e assim sucessivamente. Mas se de um ponto de vista pessoal e psicológico a tese de que todos nós sonhamos com uma era dourada inexistente oferece pouca discussão, o mesmo não se poderá dizer dos sítios, neste caso de Paris, que atingiu o seu apogeu criativo precisamente no período que vai da belle époque ao fim da Paris de Hemingway e Gertrude Stein. E a melhor homenagem que se pode fazer a Woody Allen é que talvez um dia se olhe para a Nova Iorque da segunda metade do século XX como a era dourada da cidade de Woody Allen.