domingo, 14 de outubro de 2012

A manifestação cultural

Sobrevivi à manifestação da cultura, ocorrida ontem na minha sala. Foi uma festa bonita. Por cá passaram os Homens da Luta e outras figuras culturalmente menos relevantes. Perto das onze da noite, quando eu tentava, pela terceira vez, pôr o meu filho a dormir, uma banda de méritos artísticos facilmente não subsidiáveis gritava «contra as políticas de direita». Isto fez-me pensar na liberdade de expressão, e como é bonito podermos ter microfones nocturnos a invadir um bairro com palavras de ordem livres. Só estranhei não ter ouvido gritos de ordem contra as «políticas de esquerda» que sobre-endividaram o país e que nos trouxeram a este estado de emergência financeira: devem ter sido gritadas com certeza depois da uma da manhã, hora a que, rendido, me fui deitar. Também me deixou confuso a quantidade de slogans proferidos a favor da «liberdade», pois estava convencido de que aquela era uma manifestação de protesto e não de apoio ao nosso regime actual que, como sabemos, tem muitas falhas, mas a falta de «liberdade» não é, sob qualquer ponto de vista, uma delas. O que me leva a uma reportagem a que assisti umas horas antes, e que mostrava alguém - um dos organizadores desta manifestação da sociedade civil?, e já agora, quem pagou aquele sistema de som ontem? - que dizia que «se calhar o 25 de Abril não ficou completo, temos de o acabar agora», voltando ao tema incompreensível da «falta de liberdade». Ora, isto pareceu-me absurdo, porque se há algum tipo de virtude que podemos encontrar no Estado Novo foi precisamente a capacidade de disciplina das contas públicas. E não deverá haver pecado maior da democracia portuguesa do que a má gestão económica e financeira dos recursos nacionais, que nunca se preocupou em deixar como herança a dívida pública contraída para a construção das autoestradas e afins. Mas nada disto me causou tão grande agitação como o medo constante de que, devido à quantidade de artistas de palco ali reunidos, aparecesse como candidato a alguma coisa Pedro Santana Lopes.