quarta-feira, 10 de outubro de 2012

«Fazer o curso na maior»

«Como assinante e leitor diário do Público, foi com surpresa que li na edição de terça-feira, dia 9 de Outubro, uma peça de página dupla, publicada surpreendentemente na secção Portugal, a propósito de um livro que se propõe “ensinar a fazer o curso na maior”. Imagino que nas redes sociais e nas conversas entre alunos circulem muitas dicas sobre como ter notas sem estudar ou contornando o trabalho que é exigível a quem frequenta o ensino superior; admito, naturalmente, que haja também quem queira beneficiar comercialmente com a divulgação dessas estratégias (publicam-se tantos livros tontos, por que razão não se há-de publicar mais um). O que me espanta é que o Público dê destaque em, repito, duas páginas a um conjunto de imbecilidades e ideias estapafúrdias sobre o que é (ou deve ser) estudar e, pior, as consequências para a vida social de se estudar. Nem falo da ideia peregrina referida na peça de que, cito, “o objectivo num curso é fazer as cadeiras. E isso não é sinónimo de acumular conhecimento.” Tendo em conta que, a crer na notícia, um dos autores do livro é professor na Universidade Lusófona, percebe-se a afirmação. Se a universidade não é um local de cultura de exigência e de trabalho, perde a sua função. E como estamos necessitados, em Portugal, de instituições que se movam pela exigência, trabalho e rigor (e como é necessário que nas universidade se combata o facilitismo e a sua versão extrema, o plágio). Mas, talvez o mais chocante da notícia é a dicotomia completamente disparatada que é estabelecida entre “pessoa normal” e “malta que não fez isto [curtir a vida enquanto estudava] e que acha que os alunos também não o devem fazer. Foram ‘cromos’, tecnocratas, académicos.” Não sei em que mundo vivem os autores do estudo ou que percurso académico tiveram, mas posso dar um sem número de exemplos de bons alunos de ontem e também de hoje que não encaixam no perfil definido - o que não os impediu de alcançar um patamar de excelência na vida académica e profissional. Como os autores afirmam, “é nesta idade que estabelecemos uma rede de contactos, fazemos amigos para a vida. E esses amigos e contactos serão fulcrais no nosso futuro pessoal e profissional.” Aparentemente, os autores do livro não só conheceram e conhecem pessoas que são exemplos errados como se esqueceram de dizer que é também “nesta idade”, quando somos estudantes universitários, que temos a melhor oportunidade da nossa vida para “acumular conhecimento”. Um saber que será fundamental para a nossa vida, onde a capacidade relacional não é tudo. Tenho dificuldade em perceber como é que um jornal de referência, que é uma referência diária para mim, e que deve ser também um exemplo de rigor e exigência, publica um artigo como este.»

Pedro Adão e Silva, em carta enviada ao Público