sexta-feira, 25 de novembro de 2005
Under the bridge com aquecimento central e lugar de estacionamento
No edifício ao lado do meu, o banco público gerado pelo desenho da loja do rés-do-chão sempre serviu de dormitório para gente sem-abrigo. Sempre me incomodou. O dormir na rua é das violências maiores que imagino possam ser inflingidas a um ser humano. Significa a perda total de dignidade, de companhia, de afectos. Aquela gente não tem ninguém, nenhuma família, um amigo que lhes ofereça um bocado de tecto. Alguns podem ter merecido essa condição, outros podem ser apenas vítimas de um percurso de vida azarado, outros simplesmente nunca terão conhecido outra condição. Não sei, nem (e isto faz parte da nossa condição urbana) quero saber. Para mim são apenas pessoas com as quais não me quero relacionar, sob pena de estabeler um qualquer vínculo emocional sem consequências práticas para a vida deles. Nunca lhes disse boa-noite, nunca lhes dei esmola, nunca me vieram pedir nada. Passo por eles a caminho de casa, de noite, com frio, e fico sempre impressionado. Lembro-me que sou católico e que, mais do que uma qualquer obrigação ética, isso me define como alguém que não é indiferente ao outro. Não sei o que fazer. Registo só a minha consternação pelo facto, consternação essa que admito ter-se tornado mais evidente desde que a loja foi ocupada por uma agência imobiliária.