terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Declaração de interesse

Já cansa ouvir os sins a gritar que a questão essencial aqui é a despenalização.

Talvez até seja. Mas é desonesto esconder que a resposta tem muito mais implicações do que a mera despenalização.

O problema da discussão sobre o aborto surge da circuntância de não existir coerência em soluções intermédias. Até o Prof. Marcelo irá percebê-lo, um dia. Ou seja: com a despenalização chegam as clínicas privadas, mas, num sistema tão estatocêntrico como o nosso, de tão fraca concorrência e com agentes económicos tão indolentes, não poderá deixar de ser o aborto, ou a cosmética IVG, praticado nos hospitais públicos. Afinal, ou bem que chega a todos, ou bem que se deixa o mercado negro tratar do assunto.

Assim, com a despenalização chegamos à liberalização, admitimos a possibilidade a cada mulher de praticar livremente o aborto até às dez semanas, oferecemos-lhe a possibilidade de o fazer e financiamos a mesma com os nossos impostos. E desta consequência não podemos fugir.

Ora, para quem considera que a proibição do aborto é um imperativo moral, e que, como tal, o Estado tem de tomar uma posição sobre o assunto, a liberalização é algo que tem de ser muito difícil de aceitar.

Como tal, há que ter respeito pelos nãos e convencê-los com um argumento que esteja ao nível de um imperativo moral. Há que responder com outro imperativo moral, com a necessidade absoluta e imperativa de pôr fim a um flagelo. É absolutamente nojento o que se passa em Portugal com a prática, tolerada por todos, do aborto ilegal. E o que é facto é que não oiço nenhum não a bater-se tão furiosamente por este imperativo moral como se batem pela protecção da vida intra-uterina. E chamem-lhe assim, porque no útero às dez semanas não está uma pessoa, está um potencial de vida humana que também quero proteger mas que não se sobrepõe à minha vontade de acabar com pinças em alguidares ensanguentados que passam de um útero ao outro a troco de cem contos. E, neste momento, não consigo conceber, por muita ginástica jurídica que faça e por muito que oiça o Prof. Marcelo esforçando-se no mesmo sentido, uma situação intermédia que ponha fim ao flagelo.

Desta forma, por caridade, voto sim.

SIM, pela minha mulher.