Mais do que motivações políticas ou ideológicas (o Pedro Mexia diz na Única desta semana que «Não somos todos americanos» e tem toda a razão), aquilo que me liga - e a tantas outras pessoas - ao 11 de Setembro é a cidade de Nova Iorque. Por muito que se invoque uma ideia de ocidente que liga os dois lados do atlântico, se tivessem sido as Sears não seria a mesma coisa - ainda que Chicago seja uma espécie de segundo ensaio sobre o mesmo tema. Nova Iorque não é apenas a menos americana das cidades americanas, é sobretudo a cidade mais reconhecida do mundo, a cidade que mais facilmente abre as portas a quem vem de fora. Mesmo para quem nunca a visitou, é quase impossível não ter com Nova Iorque uma relação de familiaridade que se deve a uma identificação cultural epidérmica que nos foi implantada sobretudo pelo cinema, que fez do «século americano» (Mexia outra vez) que foi o século XX o século nova iorquino. Isto fez dos ataques do 11 de Setembro uma ferida imediata que antecedeu todas as elaborações de cariz intelectual a que a tragédia se prestou: antes do ataque ao «estilo de vida», foi um ataque ao nosso bairro; antes de um ataque à «democracia», foi um gigantesco ataque simultâneo a todas as cidades do mundo. Quando nos foi explicada a magnitude simbólica do atentado já todos o tínhamos sentido na pele.
Visitei Nova Iorque por duas vezes, uma antes (2000) e outra depois (2006). Da segunda vez passei pelo ground zero, e, mesmo tendo lá estado anteriormente, fiquei sem palavras ao ver o enorme buraco das obras. Um buraco que parecia maior do que a memória que guardava das torres, que tinham uma escala absurda, quase impossível. Mas aquilo que mais me marcou foi a ausência das torres das vistas de onde elas se mostravam, que era quase de todo o lado da zona sul de Manhattan. Eram dois edifícios arquitectonicamente pouco interessantes mas urbanisticamente decisivos na leitura da cidade: a nossa localização podia quase sempre ser deduzida relativamente a elas. O seu desaparecimento brutal foi uma decapitação a sangue frio que alterou, em duas horas, o skyline do mundo todo.
Os trabalhos de reconstrução que têm vindo a ser feitos - mesmo com todas as indefinições causadas por polémicas de projecto e dificuldades financeiras - têm como objectivo a cicatrização de algo quase impossível de cicatrizar. Um dia voltarei a Nova Iorque, quem sabe para mostrar aos meus filhos um bocado da história que também será deles.