terça-feira, 13 de junho de 2006
Cairo 6
Não sem surpresa, o Youssef confirmou-nos que o radicalismo religioso tem vindo a crescer, e muito, nos últimos 20, 30 anos. A mãe dele, confessou-nos, andava de mini-saia na rua nessa altura, coisa que é obviamente impossível nos dias de hoje. Mubarak ainda é visto como um liberal, alguém que deseja, sem muita margem de manobra, um Egipto menos ortodoxo e mais cosmopolita. No entanto, apesar da maioria islâmica dominante (80%), os cristãos (copta), que representam os restantes 20% da população (há uma comunidade residual judia), mantêm uma impressionante percentagem de 40% junto da classe alta, o que permite ao Egipto ser considerado liberal pelos países vizinhos. Apesar de muçulmano (que não reza, como nos disse, uma espécie de «não praticante»), a maioria dos amigos do Youssef são cristãos, com quem partilhou a educação na infância e na juventude. Se um dia os radicais conseguirem colocar no poder um peão do Islão mais conservador, o Youssef emigrará, e com ele, talvez, todos os liberais, deixando tristemente uma cidade que, ainda hoje, respira um cosmopolistismo próprio de uma área agitada e muito visitada por turistas (apesar destes serem muito menos do que nós esperávamos). No Cairo respira-se muito o Mediterrâneo, alguma coisa do Médio Oriente, e muito pouco de África. Os egípcios não se consideram africanos, interessam-se pouco pela identidade árabe (o Youssef dizia-se primeiro Egípcio, depois Muçulmano, e só depois Árabe), e gostam muito de se dizerem Mediterrânicos. Confesso que foram mais as vezes que senti afinidades do que estranheza, falando obviamente dos ambientes liberais. Sou, descobri, mais egípcio do que austríaco, sem dúvidas. Ou, pelo menos, gosto de assim o imaginar.