O maradona às vezes irrita-me. Irrita-me que eu tenha pensado em fazer referência ao artigo de ontem do Pacheco Pereira e que o maradona se tenha antecipado. Irrita-me que, no textinho que vêem aqui em baixo, me tenha passado pela cabeça referir precisamente esse pormenor que é o facto de eu, sim, condenar moralmente quem faz um aborto e, sim, ir votar sim e querer que o Estado canalize recursos sim senhora, e não o tenha feito por achar que ia ficar mal explicado, aparecendo-me agora o maradona a dizer precisamente o mesmo e muito bem dito:
(...) A frase, por exemplo, "Não me sinto com o direito de julgar moralmente as atitudes de quem decide em consciência interromper uma gravidez.". Eu por acaso sinto-me. A moral tem muitas vantagens e, aliás, quando é practicada em condições, julga precisamente a "consciência" das outras pessoas.
Há aqui onde moro uma miúda que durante 5 anos foi duas vezes por ano a uma certa e determinada senhora na Cova da Piedade. Eu acho que tenho o direito de julgar moralmente esta miúda, a sua familia e o comboio de namorados. No Algarve tinham que ir a Espanha, numa Ford Transit, e dentro da Ford Transit iam mulheres e familias a quem eu condenava moralmente o que andavam a fazer, e outras mulheres e familias que eu não condenava moralmente.
Mas daqui a colocar em questão a canalização dos "escassos recursos para a prática de abortos" vai uma grande distância. Acho que se deve "canalizar" sim senhora. Modesta e à parte, eu vejo "recursos" em todo o lado; e se não forem assim tantos como eu vejo, que se aumente os impostos, que se corte nas SCUTs, nos professores do ensino secundário, nos subsidios à RTP e à TAP, nas operações às varizes, onde quiserem, não percebo nada dessas merdas. Não se pode é obrigar as pessoas - onde, como sempre nestas coisas, predominam os mais pobres, os mais fracos e os mais sós - a arriscar a saúde e a vida por causa, primeiro, de uma lei estúpida, segundo, por causa de "escassos recursos".
O facto de eu condenar moralmente esta e muitas outras pessoas (e de não condenar muitas outras) não significa que ache aceitável que se atire milhares de mulheres e homens para fora do sistema nacional de saúde. A moral - ao contrário da ética - vem depois da saúde, quer-me parecer. Não percebo, portanto, esta conversa toda à volta da "consciência" e mais não sei o quê.
Também quero fazer um apontamento em relação ao "sequestro" do debate pelo "trogloditismo extremista". É que dá a sensação que é só a Esquerda a responsável por essa tendência, e, havendo embora aqui que admirar a recuperação desse inenarrável texto da Ana Drago - merecedor, aliás, de um épico artigo do Miguel Sousa Tavares - é minha a opinião de que o pior "trogloditismo" está precisamente à Direita, e penso que não é preciso aprofundar para além disto.
Resta-me a consolação da evidência que sou uma pessoa mais ocupada do que o maradona.