sábado, 14 de abril de 2007

a.s*

A edição deste mês da arq./a* traz Célia Gomes e Pedro Machado Costa, os arquitectos do a.s*. A entrevista sintetiza o refrescante discurso da dupla formada na Escola do Porto que, ao contrário do que é habitual, se libertou do seu academismo reinante, muito por culpa, reconheça-se e glorifique-se, de Manuel Vicente. Depois de Manuel Graça Dias, Célia Gomes e Pedro Machado Costa dão uma nova expressão geracional ao discurso de Manuel Vicente (são os dois 20 anos mais novos que Graça Dias, que por sua vez é 20 anos mais novo que Manuel Vicente, o que estabelece uma cadência cronológica interessante), que se caracteriza por uma incessante procura lúdica de uma liberdade de projecto que foge como o diabo da cruz de qualquer referência ou etiqueta. No caso de Célia Gomes e Pedro Machado Costa, os fantasmas são a já referida Escola do Porto e a omnipresente Holanda, variante Delft, que os dois vão recusando, reinterpretando, subvertendo, esquecendo. O único ponto de referência que não é negado é Manuel Vicente, alguém cuja obra até «questionável», mas cujo processo é «consequente» (PMC). Fazendo a necessária comparação com Manuel Graça Dias, há que dizer que Célia Gomes e Machado Costa parecem ter uma solidez de intenções que Graça Dias nunca teve, nem nunca quis ter, imerso que sempre se deixou estar na infinitude de opções que o desenho lhe abre. Nesse sentido, Graça Dias é um produto directo do jeito Manuel Vicente: alguém cuja obra fica constantemente aquém do seu discurso falado e escrito (e é de influência que estamos a falar). O a.s* parece estar a conseguir dar o salto: conseguir que a obra construída (ainda escassíssima, o que não deixa de ser surpreendente) corporize «consequentemente» o estimulante discurso. Porque nos projectos do a.s*, apesar da aparente recusa de uma tradição implícita portuguesa, há uma adesão emocional, se quisermos, mais fácil e mais pacífica, talvez resultante de uma paleta de cores menos delirante e de uma abertura aos novos materiais que a Vicente e Graça Dias nunca seduziram (a herança de Kahn e o que quer ser um tijolo). Apesar dessa recusa do establishment, Célia Gomes e Pedro Machado Costa estão a intervir sem medo no panorama cultural contemporâneo, gerando influência e reconhecimento internacional, enquanto que Manuel Vicente se viu obrigado a emigrar para Macau (o que lhe valeu uma olímpica ignorância por parte das almas lusas) e Manuel Graça Dias se deixou encurralar numa romantizada versão de uma cultura contra-corrente, algo isolada. Desta «nova geração» são os meus preferidos.

* A revista passou a ser mensal e baixou o preço para metade. Editorialmente denota ligeiras melhorias. Era uma revista que tinha ambições intelectuais que nunca chegou a atingir, por isso esta versão que se quer mais acessível parece que lhe fica melhor, assenta-lhe melhor nos ombros.