O «seguir com as nossas vidas» era muito mais seguir com a minha vida do que seguir com a tua vida. Longe de mim considerar homófobo todo aquele que se opõe à ideia de consagrar a instituição do casamento homossexual - se assim fosse, teria de considerar homófoba a grande parte da minha família a quem eu não reconheço nenhuma agressividade especial em relação aos homossexuais. Nunca fiz - nem nunca farei - um paralelismo como esse a que o Eduardo responde, até porque eu fui durante muito tempo contra a ideia do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não pretendo com isto chamar para mim aquela insuportável arrogância do convertido; não acho que o facto de eu ter mudado de opinião signifique uma qualquer evolução que espero dos outros. Não significa sequer uma evolução, significa uma alteração, ponto. Ou seja, a tua posição não me merece menos respeito do que muitas outras sobre esta matéria, incluindo a minha (ia dizer «qualquer outra», mas depois lembrei-me daqueles que exclamam «morte aos paneleiros» e afinei a redação).
O que nos separa - julgo - é muito mais uma questão de forma do que uma questão de fundo. Tu tens na palavra o alicerce da tua influência (no melhor sentido) no mundo; a palavra é simultaneamente a tua mensagem (no sentido teológico) e o teu veículo (no sentido mais terreno). Penso ser esta a raiz da tua objecção a esta recente alteração à lei: tu não admites a desconstrução do conceito de casamento, porque para ti qualquer alteração formal ao conceito de casamento significará uma alteração de facto ao casamento, e esse é um risco que não estás disposto a correr, porque sabes que a família é não só um desígnio cristão mas o elemento mais confiável da nossa organização social.
Totalmente de acordo. Aquilo que me faz estar do outro lado da estrada é uma crença (não tenho modo de o provar) na fraca eficácia das palavras. Eu não acredito que uma alteração à definição de casamento (o que muita gente propõe em alternativa é uma união em tudo igual excepto no nome) altere o significado do casamento como hoje o conhecemos. O casamento entre um homem e uma mulher continuará a ser o modo ideal de garantir a perpetuação da espécie, e essa é uma posição que não será alterada e continuará a ser reconhecida e protegida pelos homens. Abrir a possibilidade de casamento a casais de pessoas do mesmo sexo não vai esvaziar nem molestar a centralidade do casamento entre pessoas de sexos diferentes, e se isso viesse a acontecer significaria que essa centralidade era artificial, algo em que eu não acredito.
Mas sim, discordo de Pacheco Pereira num ponto que me parece importante. PP considera «hábil» o argumento «hipócrita» de que o acesso ao casamento por parte dos homossexuais quebra uma barreira simbólica que ajuda no combate à homofobia. Eu não sou parvo: não acho que as pessoas são homófobas porque o casamento exclui os homossexuais. Eu acho que as raízes da homofobia são outras. A homofobia é um sentimento de agressividade contra algo que nos choca, e o que nos choca é a ideia do nosso corpo estar envolvido em qualquer actividade sexual com uma pessoa do nosso sexo. Não o compreendemos e julgamos ser isso um desvio moral e uma provocação à nossa natureza. E nós não temos um bom currículo no que toca a responder a provocações. Ou seja, a homofobia é uma manifestação do instinto humano muito difícil - senão impossível - de combater. Aquilo que nós podemos e devemos combater é a tolerância à homofobia, que encontra ainda num conjunto de pormenores públicos um porto de abrigo. Se eu acho que o casamento é um deles? Tenho dúvidas, mas a comunidade homossexual não, e eles é que são os especialistas. Como tentei explicar, não vejo aqui nenhum risco, e espero que esta alteração à lei ajude os homossexuais a levarem uma vida melhor. Espero que esta alteração à lei ajude a tirar da infelicidade muitas pessoas que continuam sem espaço para dizer aos pais aquilo que são. Se esta intenção falhar, paciência, ao menos tentámos. Pacheco Pereira acha isto hipócrita, eu acho apenas optimista.
Um abraço,