Depois da minha visita ao Cairo em 2006, uma das coisas que escrevi foi isto:
Não sem surpresa, o Youssef confirmou-nos que o radicalismo religioso tem vindo a crescer, e muito, nos últimos 20, 30 anos. A mãe dele, confessou-nos, andava de mini-saia na rua nessa altura, coisa que é obviamente impossível nos dias de hoje. Mubarak ainda é visto como um liberal, alguém que deseja, sem muita margem de manobra, um Egipto menos ortodoxo e mais cosmopolita. No entanto, apesar da maioria islâmica dominante (80%), os cristãos (copta), que representam os restantes 20% da população (há uma comunidade residual judia), mantêm uma impressionante percentagem de 40% junto da classe alta, o que permite ao Egipto ser considerado liberal pelos países vizinhos. Apesar de muçulmano (que não reza, como nos disse, uma espécie de «não praticante»), a maioria dos amigos do Youssef são cristãos, com quem partilhou a educação na infância e na juventude. Se um dia os radicais conseguirem colocar no poder um peão do Islão mais conservador, o Youssef emigrará, e com ele, talvez, todos os liberais, deixando tristemente uma cidade que, ainda hoje, respira um cosmopolistismo próprio de uma área agitada e muito visitada por turistas (apesar destes serem muito menos do que nós esperávamos). No Cairo respira-se muito o Mediterrâneo, alguma coisa do Médio Oriente, e muito pouco de África. Os egípcios não se consideram africanos, interessam-se pouco pela identidade árabe (o Youssef dizia-se primeiro Egípcio, depois Muçulmano, e só depois Árabe), e gostam muito de se dizerem Mediterrânicos.
Não sabemos o que vai sair daqui, mas o que sair vai ter um efeito de contágio importantíssimo.