sábado, 13 de junho de 2009
Meio milhão
Tenho meio milhão de pessoas à minha porta a fazer questão de manifestar a sua diferença de opinião quanto ao facto de eu precisar de dormir. Entretanto, há outro meio milhão de pessoas na rua que está, neste preciso momento, a telefonar àquele outro meio milhão de pessoas no sentido de saber onde esse outro meio milhão de pessoas «está». Esse outro meio milhão de pessoas está a responder «à janela do Lourenço, o cabrão quer ir dormir mas nós não vamos deixar», que o outro meio milhão de pessoas, devido à embriaguez de todos os meios milhões de pessoas que estão na rua, percebe como «ronhonhó ronhonhó ronhonhó», the peanuts style. Tendo ententido que o outro meio milhão de pessoas estava no outro lado da cidade, este meio milhão de pessoas decide então ir de encontro àquele outro meio milhão de pessoas, por razões difíceis de explicar aqui. Esse outro meio milhão de pessoas, que está sossegado a embriagar-se sozinho, decide que é melhor encontrar o outro meio milhão de pessoas «a meio caminho», pois já ali está à espera há pelo menos oito imperiais. Este fenómeno de migração intra-urbano vai gerar a desintegração dos dois meios milhões de pessoas envolvidos, cada um em 250 mil pessoas; posteriormente, as metades vão complementar-se mutuamente, dando origem a dois grupos de meio milhão de pessoas recombinados. Quando derem por isso, ambos os grupos de meio milhão de pessoas vão reiniciar o processo e vão telefonar-se mutuamente no sentido de apurar com a exactidão possível onde «está» cada um. Pelo caminho espero que deixem cair por terra o projecto colectivo que é impedir-me de dormir, até porque amanhã tenho um compromisso na Covilhã ao meio-dia.