O que se passa é muito simples. O que se passa é que o parágrafo que se segue é a mais pura das verdades:
O problema é simples: Há um conjunto de engenheiros, desenhadores, etc., que são capazes de produzir projectos com a legalidade e qualidade suficiente para serem aprovados pelos mesmíssimos arquitectos das autarquias e estruturas consultivas que subscrevem o manifesto da OA onde alegam o contrário dos seus pareceres: que apenas os arquitectos são capazes de produzir arquitectura.
Manuel Pinheiro
Acontece que o território nacional se encontra num estado perfeitamente execrável, e acontece também, sem medos, que isso se deve aos "projectos" que foram sendo aprovados (os legais e os menos legais) desta gente que possui essa extraordinária habilidade que é cumprir os mínimos para que um conjunto de plantas, cortes e alçados seja licenciado junto da autarquia. Como não acredito que mais leis ou melhores leis mudem alguma coisa, parece-me que só há uma solução para a coisa: a mudança radical da exigência do consumidor. Ou seja, o impossível. Cada um tem a merda que merece, e nós merecemos a merda que temos, porque somos um país pobre e entre um apartamento de 60 metros quadrados no Cacém com garagem que custa 20 mil contos e um apartamento de 50 metros quadrados nos Terraços de Brangança que custa 45 mil contos só podemos escolher o primeiro, a arquitectura que se lixe. É um beco sem saída, lamento, o mercado não resolve a situação. Nem tão pouco é legítima essa comparação entre os gestores e os arquitectos porque a actividade de gestão diz apenas respeito aos directamente envolvidos na coisa, enquanto que a arquitectura é quase sempre uma actividade com um altíssimo impacto público. Há um interesse colectivo (o chamado "território nacional") que não pode ser deixado à mercê da selvagem colecta do metro quadrado por parte do construtor. E é por isso que assinarei quantas vezes forem precisas para que o decreto seja revogado. Por muita merda que os arquitectos façam é sempre melhor do que a "arquitectura" do desenhador a contracto com a Simões e Orlando Construções (nome fictício). A situação é dramática e exige uma porrada valente. Ou seja, obrigatoriedade dos projectos de arquitectura serem assinados por arquitectos. Há um potencial enorme que anda a ser desperdiçado (centenas e centenas de arquitectos à espera de uma oportunidade) e só uma sociedade egoísta e mal-encarada não fará os possíveis para rentabilizar esse capital humano. Só assim podemos nós (como se chama agora, a sociedade civil) ter uma réstia de esperança em como o gajo que desenhou o prédio que vai ser construído do outro lado da rua tem o mínimo de sensibilidade para aquilo a que chamamos de espaço público.