sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006
Arquitectura e fotografia
Não sou tão optimista quanto o Daniel no que respeita à relação entre a arquitectura e a fotografia. O Daniel aproveita o pretexto da qualidade das imagens produzidas por Fernando Guerra para sobre isso produzir um texto onde as duas obras se mesclam no mesmo elogio aparatoso e poético, abrindo alas à ambiguidade e à confusão. Analisar em simultâneo um ensaio fotográfico e a obra de arquitectura objecto desse ensaio, sem distinguir claramente as duas, é cair na ratoeira. No entanto, e para desculpabilizar o Daniel, há que reconhecer (e talvez isto seja o ponto fundamental) que a relação já está viciada há muito tempo. Quando um fotógrafo e um arquitecto se encontram, a honestidade é deixada na sala do lado. Iniciavas como esta publicação de Fernando Guerra aparecem mascaradas, dissimuladas sob a aparência de uma suposta objectividade que é óbvia no seu título: Conservatório Regional de Música de Vila Real, assim, sem mais nada, fazendo coincidir a nomenclatura. A tentativa é sempre passar a ideia que o fotógrafo aqui está como meio de comunicação de uma obra de arquitectura. O problema é um par de problemas: (1) a arquitectura não é comunicável através da fotografia, e (2) a fotografia está-se marimbando para a arquitectura. Explico as razões deste meu cepticismo. O objectivo último de qualquer tentativa fotográfica é sempre a sua glorificação. O fotógrafo procura sempre o melhor ângulo, o melhor enquadramento, o contexto mais favorável à produção de uma boa imagem. O edifício que se quer comunicado fica, indefensavelmente, refém da habilidade da objectiva. Vítima inconsciente, marioneta amestrada. O resultado é sempre, do ponto de vista fotográfico, um sucesso. O fotógrafo visita várias vezes o local, escolhe vários ângulos, espera pacientemente até que as condições que ele procura se reúnam. A complexidade da elaboração arquitectónica fica sempre reduzida, inevitavelmente, a este produto manipulado e sem identidade própria. É simples: qualquer edifício (tenha qualidade ou não) é passível de gerar uma fotografia triunfante. Há, no entanto, uma atenuante no que ao fotógrafo diz respeito (para que não recaia sobre este a culpa): tudo isto serve a silenciosa procura do arquitecto contemporâneo. Ele, melhor do que ninguém, sabe criar as condições para a fotogenia da sua obra, tecendo habilmente a teia onde vai o fotógrafo cair mais tarde, na ilusão de que foi ele que descobriu aquele ângulo, aquele enquadramento, aquele reflexo. Mais cinicamente, os dois fazem parte da mesma equipa, conscientes disso ou não, que tem por objectivo a sublimação do real, a sacralização do objecto mundano edifício. Em última análise, o arquitecto torna-se guarda-redes: joga para a fotografia. Nada é o que parece, resta-nos a consolação de acreditar nas sombras projectadas, já que dentro da caverna não nos resta outra alternativa.