A TSF tem um programa intitulado Na Ordem do Dia, dedicado a dar voz às ordens profissionais do nosso país, em declarações curtas à escolha do orador, que é, julgo não me equivocar, um representante das ditas. Fui vasculhar os arquivos e, no que respeita à minha Ordem, encontrei palavras de Helena Roseta (que não ouvi), de José Mateus (que tentei ouvir, muito a custo), de Manuel Graça Dias (que começa a tornar-se num caso clínico: não consegue pronunciar três frases seguidas sem usar a expressão «transportes públicos»), e de Nuno Portas. Ora bem, era exactamente aqui que queria chegar. Nuno Portas, na sua única intervenção no programa, acerta em cheio naquilo que, na minha opinião, deve ser dito sobre o estado da arquitectura (da sua produção, da sua divulgação, da sua crítica) em Portugal. É um conjunto de ideias simples, certas, e muito oportunas. Permiti-me a transcrição que subscrevo na íntegra (destaques meus):
Em tempo de balanços na imprensa do ano que passou, o único que vi com obras de arquitectura feita no ano 2005, foi o Mil Folhas, suplemento do Público, feito por críticos habituais do suplemento, todos muito mais novos, obviamente, do que eu. Eis a selecção que eles fizeram: uma biblioteca em Tavira, uma Casa da Música no Porto, um centro cultural em Sines, um teatro no Cartaxo, um outro em Almada, uma estação do metro do Porto, um arranjo do exterior do Mosteiro de Alcobaça, que tem sido de resto muito falado na imprensa. São sete obras, espalhadas de norte a sul, em que estão alguns autores consagrados, um só estrangeiro, e outros que são menos conhecidos. Se a escolha foi correcta, é um progresso que uma boa parte dessas obras se possam ver e usar não na capital ou no Porto, mas já em cidades médias ou piquenas. De facto, só duas delas estão nas áreas metropolitanas. Mas já não me parece um sinal tão bom para o país, que todas essas obras, sem excepção, correspondam a obras de encomenda pública dirigidas a equipamentos culturais singulares, ou outras actividades de carácter público. Só uma ou duas entram no redesenho do espaço exterior público, que é uma prioridade do país, sobretudo para as periferias do país. E nenhuma é de habitação urbana, enquanto que aqui há uns bons anos atrás, naturalmente, as obras mais interessantes eram bem capazes de ser de habitação. Muito menos ocorre chamar à atenção um bom loteamento, de entre os milhares que se fazem pelo país. Porque é que isto me parece um sinal menos positivo? É simples. Porque para que a nossa melhor arquitectura se possa sentir na paisagem urbana do país, ela tem de penetrar nas urbanizações e nas contruções correntes das nossas vilas e cidades, dos centros como das periferias. Sejam para os pobres, a classe média, ou os mais abastados. Isto é, e têm de chegar à residência, a escritórios, a centros comerciais, ou mesmo a armazéns ou fábricas. Já não falo do traçado das urbanizações que são, reconhecidamente, produtos de muito baixa qualidade. Isto é, o universo das dezenas de milhares de edifícios que os arquitectos assinam, e que se fazem pelo país fora, e que só excepcionalmente respiram qualidade, mesmo que eu não esteja a pensar que tenham de ser cinco estrelas. Podemos discutir se a culpa é do mercado da encomenda, ou da acessibilidade a esse mercado dos melhores arquitectos que podem ser vistos como mais difíceis, ou mais caros, ainda antes de os experimentarem, e de verem se, às vezes, o caro não é satisfatório. Mas esta mais-valia da arquitectura também depende da comunicação social e dos seus jornalistas descobrirem para além dos nomes habituais bons exemplos, que certamente, sendo de arquitectura corrente, já devem estar por aí escondidos.
Afinal o post surgiu hoje. Ah, maravilhas de uma sexta-feira à tarde...