segunda-feira, 6 de julho de 2009

«As mulheres bonitas são invisíveis»

Não tendo lido The Dying Animal (tenho tantas lacunas) saí de Elegia com a impressão de que a segunda metade do filme não seria exactamente fiel ao David Kepesh de Philip Roth. Consultada a minha mulher (que tem muito menos lacunas do que eu) a suspeita confirmou-se e avancei com a teoria de que a suavização de Kepesh se deveria ao facto de Elegia ser um projecto de mulheres (Elegia é um projecto pessoal de Penélope Cruz que foi buscar Isabel Coixet para a realização), o que despertou na minha mulher uma indignação imediata. Tentei explicar que não estava a atribuir à condição feminina nenhuma incapacidade de perceber o romance de Philip Roth (acusação, aliás, que seria imediatamente desmontada pelo facto de a minha mulher ser uma mulher e ter decifrado com precisão a personagem de David Kepesh, facto que eu posso garantir mesmo sem ter lido The Dying Animal - eu tenho tantas lacunas), estava apenas a tentar perceber as razões que poderão ter levado a essa opção. Não tendo lido The Dying Animal - lacunas, tantas - o meu visionamento do filme fez-se num estado virgem, e o que o filme nos diz é que Kepesh ultrapassa a dado momento o carácter puramente sexual da sua atracção por Consuela, consumando uma metamorfose tardia algo redentora dos seus pecados: à derradeira pergunta de Consuela («Will you still want to fuck me?») Kepesh responde com um silêncio ambíguo que permite todas as leituras possíveis, até a leitura mais anti-rothiana de todas («sim»). Seja como for, Elegia é um projecto feminino sobre uma matéria-prima de Philip Roth e isso teria inevitavelmente de se fazer notar - afinal, os homens e as mulheres vêem as «relações» de modos muito distintos - e não é o próprio Kepesh que afirma que «os livros tornam-se livros diferentes conforme quem os lê»?

(Numa nota menos importante, refira-se que Ben Kingsley rouba todas - todas - as cenas a Penélope Cruz, o que não deixa de ser surpreendente aos olhos de um heterossexual.)