Sobre Jack Johnson e toda a aura surfista que o rodeia relembro um texto do Nuno Costa Santos, publicado n'A Capital e re-publicado no Quase Famosos e re-re-publicado aqui:
«Todos nós temos um amigo surfista. Até o Ramalho Eanes deve ter um amigo surfista. Mais: até a Maria Gabriela Llansol deve ter um amigo surfista. Nem que seja o Rodrigo Herédia – que, segundo as revistas, é amigo de meio mundo. Eu tenho vários amigos surfistas – alguns dos quais vêm do tempo da adolescência. Surfistas que passavam a vida a ler Kierkegaard e Yeats, mas ainda assim surfistas (é claro que faço estas referências cultas só para não alienar todo o meu prestígio já no primeiro parágrafo).
E quem é amigo de surfista durante a adolescência sabe que mais cedo ou mais tarde vai fazer o papel de namorada de surfista. Sim, mais cedo ou mais tarde o amigo de surfista vai ficar durante horas dentro do carro e em intermináveis passeatas no meio dos rochedos à espera que o surfista acabe de subir e descer ondas. Há quem dê em louco. Há quem dê em maricas. E há quem dê em poeta, como é o meu caso (que, segundo o que se diz por aí, é uma mistura dos dois primeiros).
E o que é que faz um amigo de surfista quando entra na casa dos 30? Começa a ouvir música de surfista. Ora, um dos mais renomados representantes da chamada música de surfista é um tipo chamado Jack Johnson – também ele surfista, nascido no Havai. Johnson vem ao Coliseu, no próximo dia 21 de Maio. Escusam de ir tentar comprar bilhetes nos sítios normais porque esgotou. Quem quiser estar durante horas rodeado de rapariguinhas loiras (as verdadeiras namoradas de surfistas) tem de ir à candonga. Não se preocupem com a possibilidade de levarem uma sova por ciúme. A surfística rapaziada estará toda a adorar o homem que faz para milhares de pessoas aquilo que um surfista engatatão (passe o pleonasmo) costuma fazer ao fim da tarde na praia: tocar músicas para conquistar miúdas.
Johnson gravou três álbuns. O último, In Between Dreams, acaba de sair. Confesso: não convence tanto como os primeiros, Brushfire Fairytales e On and On. Ainda ontem, um amigo (talvez o único que não é surfista) disse que se não conhecessemos os primeiros e só ouvíssemos In Between Dreams, provavelmente o disco passar-nos-ia ao lado. Perante afirmação tão certeira, não quis ficar atrás e comentei - enquanto erguia a bica e o rissol - que este podia ser um primeiro álbum de Jack Johnson, anterior a Brushfire. Parece que o talentoso havaiano resolveu voltar a surfar umas ondas antigas quando já estava quase a chegar à praia.
O registo é mais ou menos o mesmo: músicas suaves, entre o blues, o funk e o hip hop de fim de tarde, com a solarenga voz de Johnson por cima. Mas, para irmos directamente ao assunto, os dois primeiros álbuns têm melhores músicas. Quem ouve «Inaudible Melodies» (do primeiro) não se esquece da canção – e é capaz de passar o dia a repeti-la (no meu caso, dada a minha falta de voz, levando à letra o título). O mesmo se passa, por exemplo, com «Times like these», «Traffic in the sky» e «Wasting Time», de On and On. Em «In Between Dreams» é tudo mais fácil, às vezes quase banal.
As melhores música talvez sejam «Breakdown» e as duas últimas, «Do You Remember» e «Constellations». Também há pelo meio uma música de engate: a curtinha Belle, cuja letra é «Oi lienda/ Bella che fa?/ Bonita, bonita que tal/ But belle/ Je ne comprends pas francais/ So you’ll have to speak to me/ Some other way». Não, não sabia que Jack, um exímio letrista, tinha convidado Zezé Camarinha para escrever umas coisas.»