Um dos erros - e se não for erro por amor de Deus assassinem-me já - mais comuns da linguagem portuguesa é o uso do pretérito imperfeito do indicativo em situações onde se deveria usar o condicional. Um exemplo: «um dos erros mais comuns da linguagem portuguesa é o uso do pretérito imperfeito do indicativo em situações onde se devia usar o condicional». Há aqui estudos linguísticos e teses de doutoramento que eu estou de certeza a ignorar, mas nem o facto dos melhores prosadores nacionais incorrerem com alguma frequência neste tipo de situação me subtrai a convicção de que isto é, vá lá, errado. Bom, dirá o leitor certamente, mas isso é uma situação em que a expressão oral se distanciou da expressão escrita, interpelação que merece um par de citações retiradas precisamente da página que acabei de ler de A Sala Magenta, último romance do melhor escritor (homem) português vivo. Vamos então à página 27, onde às tantas escreve Mário de Carvalho (enfim, escreve o narrador, e pode haver aqui alguma intencionalidade, não sei):
«Expulsou-a, aos resmungos, com a promessa de que a chamava se fosse preciso (...)»
Cá está. O curioso é que na mesmíssima página, no parágrafo imediatamente a seguir, há um diálogo entre duas personagens que vai assim:
«"Se eu morresse, aposto que nem ias ao meu funeral." " Que falta é que eu te faria no teu funeral?"»
Portanto, na mesma página do mesmo romance, temos um narrador que diz «chamava» em vez de «chamaria»; uma personagem que diz «ias» em vez de «irias»; e outra personagem que diz correctamente «faria» quando tudo fazia prever um «fazia». Reitero a minha ignorância sobre a qualificação destas mutações dos tempos verbais. Não sei se são erros, de facto, mas que isto tudo me cheira mal, lá isso cheira. E queria sublinhar o facto de o português ser uma língua que é suposto ensinarmos a estrangeiros e em que um dos tempos verbais se chama pretérito mais-que-perfeito do indicativo, por exemplo.
Adenda (18 de Julho, 10:18): Fui alertado para o facto de ter escrito originalmente «conjuntivo» em vez de «condicional», ali na primeira frase do post, o que prova que as pessoas não me deveriam dar atenção.