quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A «construção europeia»

Porque se dá o caso de a minha cozinha bloquear grande parte das frequências FM à excepção da frequência do Rádio Clube Português, aconteceu ter ouvido ontem uma conversa sobre o «sim» da Irlanda ao Tratado de Lisboa (ou só «Lisboa», aparentemente) que envolveu Miguel Portas e Jamila Madeira. Do que disse Jamila nada retive, muito menos do que disse Miguel Portas, mas guardei para memória futura a intervenção do moderador, que repetiu, várias vezes, a pergunta «Podemos estar optimistas em relação à ratificação do Tratado de Lisboa?» A falta de preparação do moderador impediu-o de perceber que o «optimismo» de Miguel Portas não seria exactamente o mesmo do seu (para Portas, o cenário «optimista» envolveria sempre o chumbo «democrático» do tratado), mas nem foi isso que me comoveu, foi o facto de estar instituída esta inevitabilidade da «construção europeia», inevitabilidade suficientemente forte para que um jornalista se sinta à vontade de declarar o «optimismo» de toda uma nação, de todo um continente, sobre aquilo que é, na essência, uma opção política. Que o mundo em geral se sinta optimista em relação, sei lá, à irradicação da pobreza, isso eu percebo; agora que a «europa» se deva sentir «optimista» em relação à «construção europeia» já me parece motivo de desconfiança. Afinal, o que é que o tratado vem resolver? Vem resolver alguns «impasses» e criar novos cargos: o de Presidente da Europa Toda (Tony Blair como candidato, parece) e um super-ministro dos negócios estrangeiros, uma figura que ficará condenada à insignificância, certamente. De resto, tudo continuará como dantes: a Alemanha será sempre o motor económico e a primeira a sair da «crise» (e ela já aí está) e Portugal será sempre o bom aluno que quer continuar a receber subsídios. Daqui não resulta uma entidade supra-nacional, como quer «Lisboa»: resulta um conjunto de interesseiros que devem coçar as costas uns dos outros de vez em quando. E já não é nada mau termos alguém para nos coçar as costas quando precisamos.