«A nossa preferência pelas casas é porque nelas a arquitectura ainda hoje goza de uma certa liberdade, pois o resto é tão regulamentado, tão seriado.»
Manuel Aires Mateus, em entrevista à Arquitectura e Vida 54, Novembro 2004
Curiosa condição a que se vive hoje. Nunca a arquitectura esteve tanto na moda. O próprio Eduardo Prado Coelho disse-o, portanto deve ser verdade. Hoje a arquitectura passeia-se com a tranquilidade de quem está em casa nas páginas dos jornais. Por todo o lado é difundida. Gehry vem cá, e Santana não perde a oportunidade para se deixar fotografar ao seu lado; Foster vem cá, e Guta Moura Guedes fala do quarteirão do Design; Renzo Piano passa de raspão e deixa um mega-projecto habitacional em Braço de Prata; Siza projecta e Santana referenda; e entretanto o Taveira continua à solta.
A curiosidade da condição relaciona-se com o que está a acontecer à arquitectura por causa disto. Nunca a representação da arquitectura foi tão sedutora. Alguém, que não arquitecto, perde um segundo a olhar para um alçado de Frank Lloyd Wright? Ou para uma axonometria de Corbusier? Não, porque esses desenhos eram o meio, o veículo, um caminho para tentar explicar uma intenção. Hoje esse desenho passou a ser mais importante do que o que representa. A imagem tomou conta do objecto. Paradoxalmente, e isso é muito frequente, hoje acontece que projectos já construídos continuem a ser divulgados através de imagens virtuais. Porquê?
Como diz Aires Mateus, a arquitectura está excessivamente seriada e regulamentada. Não apenas nos aspectos técnicos da construção, nem nos requisitos programáticos que se instituiram, mas também no gosto que se difunde. Basta dar uma volta na Expo (peço desculpa, sou reaccionário, para mim será sempre "a Expo") para se constatar a uniformização pobre do gosto dos edifícios de habitação. Há uma cartilha que é seguida, uma cartilha que parece agradar ao "cliente" e à agência imobiliária.
Como é que isto aconteceu? Porque razão coabitam estes dois fenómenos? Por um lado parece haver um interesse generalizado pela arquitectura, mas por outro esse interesse revela-se num nivelamento da ideia de arquitectura.
Acredito que a culpa está nos arquitectos. O facilitismo da produção de imagens retirou espaço para a invenção. Para o desejo, a vontade, a ideia. Há um contraste claro entre quem usa uma maquete para comunicar uma ideia, e entre quem a usa como objecto central da sua criação. Há um contraste claro entre quem deita as maquetes todas para o lixo depois da obra estar concluída (porque obviamente perderem a sua utilidade), e entre quem as guarda numa redoma para exposição ao público. As únicas maquetes que merecem ser guardadas são as que representam projectos não construídos. As outras só servem para iludir. Perder esta atracção pela perfeição da representação é meio caminho andado para o assumir da coisa construída.
Calma, calma. Não quero que andemos todos a "inventar" em cada esquina. Tenho uma consideração muito grande pela ideia do "pronto-a-vestir", pela arquitectura anónima mas competente. Os Terraços de Bragança, por exemplo. A cidade é feita por esses bocados que se juntam, que não querem o palco só para eles. No entanto é impossível deixar de reparar que a arquitectura se deixou encurralar pelas grandes estrelas. Há uma certa polarização radical das ideias. Ou seja, tudo o que são ideias relevantes de arquitectura só existem nos grandes projectos dos grandes mestres. A arquitectura da pequena escala, do pequeno orçamento, aquela que não aparece nas revistas nem nos portfolios, não admite ideias, só admite o cumprimento regrado dos preceitos da cartilha. O cliente assim o quer, o promotor assim o quer, o arquitecto assim descansa. Para quê ter ideias se ninguém as vai ver? Para quê ter ideias se não vão ser publicadas? Para quê ter ideias se isso não vai trazer a fama, e provavelmente vai entrar em conflito com quem está a pagar a coisa?
Tudo isto incomoda. O aburguesamento do gosto e a demissão do arquitecto. Helena Roseta como presidente. Manuel Vicente arredado da sala de aula. O 3D Studio como brinquedo preferido. A uniformização. A uniformização. A uniformização. O branco igual. A «profissionalização». O «modo de fazer». O é assim. É assim.