Desde que escrevo em blogues (sempre quis dizer isto no plural) as minhas idas ao barbeiro (recuso-me a falar de «cabeleireiro de homens») resultam sempre em posts. O que não surpreende: o barbeiro é um local extremamente contraditório e um observatório priviligiado do comportamento humano (masculino). Contraditório porque é um sítio onde os homens vão tratar de si, introduzir alterações ao seu corte de cabelo. Faz-se aqui a devida nota: falo do barbeiro, não dessas modernices que há agora. Falo de barbeiros onde os funcionários se confundem com o mobiliário. Onde os funcionários são heterossexuais e têm normalmente para cima de sessenta anos. Os balcões são de madeira, bem conservadora. Eis o meu barbeiro, que por sinal até tem escrito «Cabeleireiro de Homens» escrito na vitrine, em neón, ambos comletamente inutilizados, a vitrine e o néon. O sítio é uma instituição e um regalo para qualquer conservador que se preze: está exactamente na mesma desde que me lembro.
E do que é que se fala? Há dois tipo de clientes de barbeiro: os que falam e os que ouvem. Eu sou, naturalmente, dos que ouvem. Estar de ouvidos bem atentos num barbeiro é meio caminho andado para se entender o país: futebol, política, televisão e, não esquecer, o clima. Hoje, quando entrei, o dono e um cliente falavam. Corrijo, o cliente falava e o dono do estabelecimento ia concordando, o que só revela muita experiência e diplomacia: alguém confia o seu corte de cabelo a quem não apresenta as mesmas opiniões políticas? Pois. O senhor falava alto, muito alto, denunciando a sua vontade em ser ouvido. Apanhei a conversa a meio. Berrava-se contra o governo. O cliente, o tal que orava com eloquência, explicava que não se importava até de ser governado por um «comunista sério», e que tudo era preferível ao actual executivo. Passados não mais do que dois minutos, o rumo político das observações mudava (para os mais distraídos): «ao menos o outro, que morreu à trinta e tal anos, nasceu pobre e morreu pobre, disso não o podem acusar, e até deixou os cofres do estado bem cheios!» Sentava-se na cadeira da outra ponta. Eu, quieto e mudo, escutava. Escutava também o proprietário, que agora já tinha uma distância suficiente que lhe permitia deixar de concordar. Confidenciou-me: «Eu nestas coisas o melhor é não discutir. Porque se ele deixou os cofres cheios, também deixou um país analfabeto. Olhe, como eu, que aos vinte e seis anos fui para a escola aprender a ler e a escrever. Não há pior que um país onde as pessoas não sabem ler nem escrever.»
Trinta segundos depois, o tempo de me perguntar como queria o cabelo (levando a resposta de sempre: igual mas mais curto), já o assunto mudava: «Então, acha que vamos ter um fim-de-semana com sol?»