sábado, 13 de novembro de 2004

De Cerdá ao Fórum

Jorge Figueira foi a Barcelona e trouxe de lá um texto que, apesar da falta de brilho, diz muito a quem lá esteve recentemente. Claro que diz coisas que eu não compreendo. Como por exemplo:

«A artisticidade - a "genialidade" - de Gaudí entra muito bem no nosso tempo; as filas intermináveis para ver os edifícios são esclarecedoras.»

Apesar da minha relação pouco pacífica com Gaudí (prefiro os ambientes mais tranquilos, como em La Pedrera, ao rocócó-Art-Nouveau-chamem-lhe-o-que-quiserem do Park Guell, por exemplo), não aceito que as «filas intermináveis» sejam um sinal que Gaudí entra «muito bem no nosso tempo», bem pelo contrário: só mostra como Gaudí não entra bem em tempo nenhum, colocando-se num universo próprio digno de ser atracção. Aliás, parece-me descabida a comparação entre Gaudí e o zeitgeist Moderno:

«Gaudí veicula a ansiedade pelo "novo" que caracteriza a passagem do século, e que depois finalmente surgirá estabilizada no Movimento Moderno. »

O novo não pode ser tão generalizável. O novo de Gaudí não é o mesmo novo do Movimento Moderno. Não é por acaso que Gaudí se sedimentou como um fenómeno regional e único, confundindo-se com Barcelona, e que o Movimento Moderno tenha tido o seu apogeu na definição de Philip Johnson, o Estilo Internacional.

O urbanismo de Cerdá, esse sim, entra «muito bem no nosso tempo», como refere JF:

« A grelha regular de Cerdà recorta as colinas que envolvem a cidade, antecipa a mobilidade do nosso tempo, mas permite também "domesticidade", sentido de pertença, presença do humano.»

Mas aqui não há «filas intermináveis».

Deixo o último parágrafo, que como mandam as regras são as linhas mais inspiradas do texto, onde JF se redime da comparação inicial para atirar Gaudí para o universo que lhe compete:

«Em 2004, Barcelona continua a ser um laboratório urbano, um lugar onde as mutações políticas e culturais são expressas no território, na organização e mediatização do espaço. Talvez faça parte desta "urbanidade" mais indecifrável visitar Gaudí como objecto de ficção científica e colocar o Pavilhão de Barcelona na categoria de ex-futuro. E achar pueril que a Torre Agbar, de Jean Nouvel, "fálica" e cintilante, queira competir com a Sagrada Família, ainda, e sempre, em construção. »

Não resisto a propôr a continuação da conversa em textos publicados na minha outra casa:

Gaudí
Barcelona

ambos escritos em finais de Agosto, depois da minha passagem pela cidade.