domingo, 20 de março de 2005
Pela janela
Olhava o espelho e não acreditava. A informação reflectida não batia certo com o que esperava. Abriu a janela para deixar entrar mais luz, convencido que era a penumbra que estava a atrapalhar. A sala inundou-se de amarelo torrado e o cheiro das ruas molhadas pela chuva que começara a cair momentos antes fez-se convidado. Passou as mãos pelo corpo, apertou com força até doer, puxou até deformar. O espelho persistia em não lhe fazer a vontade, devolvendo a realidade nua e crua, a mesma realidade que ele procurava e desejava mas pressentia não ser verdade. Não podia ser assim tão simples, tão fácil, tal e qual como seria se fosse ele a escolher. Saiu da sala e voltou a entrar várias vezes, sempre à espera de encontar em cada regresso o pior dos seus medos devolvido pela superfície oval. Mas sempre que voltava a olhar-se a imagem era a mesma. Por acumulação de experiências decidiu começar a acreditar. O cansaço venceu-o. Fez no entanto uma última tentativa. Saiu à rua e deixou-se ficar durante meia hora à chuva. Quando sentiu que a água se fartava do seu corpo voltou a entrar, e sem se secar foi directo ao espelho. A mesma coisa, a mesma coisa, desta vez mais húmida. Desistiu. Chamou-a para ela ver. Ela nem se mexeu, nem se dignou a desviar o olhar. Afinal, ela conhecia de cor aquilo que ele acabara de descobrir. A partir daquele dia prometeu a si próprio nunca mais duvidar que iria ser feliz.