sexta-feira, 20 de julho de 2007

Uma série de assuntos misturados

Por exemplo:

Quem não lê é como quem não vê
Vá lá pega num livro e desliga a têvê
Confessa lá agora que tu até te sentes mal
Por só leres as legendas e os títulos no jornal

Quem não lê é como quem não vê
E diz-me afinal o que é melhor que ler
Talvez comer, talvez beber, talvez...
Mas afinal a leitura dá-te alimento intelectual

Quem não lê é como quem não vê
Vai lá num instante à tua estante e pega no
Dante
Mas se o Inferno te der vontade de fugir
Ai pega na Bíblia pode ser que escapes de lá

Quem não lê é como quem não vê
junta a prosa à gasosa e mistura ainda um sofá
Deixa marinar e uma tarde bem passada é o que dá
O Pessoa pode te tornar noutra pessoa
Porque a poesia portuguesa tem tanta coisa boa

Mas e que tal prosa bíblica, ou um salmo, meu irmão?
Saramago é bom mas não te dá a salvação
Quem tem medo do Lobo Antunes devia ter temor a Deus (bis)

Quem tem medo,
do Lobo Antunes
do Lobo Antunes
do Lobo Antunes.

A dimensão pessoana da obra musical do Tiago Cavaco é algo a que devemos estar atentos, sob pena de estarmos a deixar passar em branco e mesmo por baixo dos nossos narizes a mais nobre manifestação de roque cristão que jamais se fez em Portugal. Começado com a punch-line, continuemos a falar mais a sério, para dizer que não é só de roque cristão que estamos a falar: é de roque, ponto. Primeiro, as letras. Em Portugal as letras são miseráveis, são péssimas, e ainda há as do Abrunhosa. As letras dos Ninivitas, ou dos Lacraus, ou do Guillul a solo (cito o já clássico A Isabel é Intelectual [porque perdeu a virgindade na Feira do Livro]) são a nossa reconciliação com a música portuguesa. A luz ao fundo do túnel (notem que eu vou de férias hoje, pelo que imaginam o que pode ter sido esta minha semana, estou aqui que nem posso). Fazer letras não é fácil. Eu toco numa banda e nunca escrevi uma letra, porque nunca consegui. É difícil encontrar o tom, porque se escreve algo que não é para ser lido mas para ser cantado e, no meu caso, sempre que tentei tudo se perdeu pelo caminho. Neste agrupamento baptista (cada vez que me cruzo com protestantes fico com vontade de me converter) a palavra toma a dianteira (cá está, são mesmo protestantes, os gajos) mas o que vem atrás não é para ignorar. O bom humor esconde uma instrumentação inventiva (como o maravilhoso oboé no refrão do não menos maravilhoso tema A esposa confessa) e trabalhada com dedicação. Centro-me nos Ninivitas, mas não quero relegar para segundo plano os Lacraus, cuja estética punk está, no entanto, um pouco mais distante de mim. O que o Tiago e os amigos andam a fazer é uma lição de bom gosto num meio com um espectro de João Pedro Pais a Blind Zero, de André Sardet a D'zrt (é assim que se escreve?) Afinal, há roque português, há música portuguesa contemporânea para lá dos Madredeus e do Rodrigo Leão, há, sobretudo, doses desmedidas de bom humor, inteligência, algum sarcasmo e muita evangelização. Eu sou católico. Sofro muito com a «música de igreja», sofre-se muito com a «música de igreja». Nós, católicos, sabemos escrever mas não sabemos cantar. E nós, os católicos, vamos cada vez menos à missa. Ora aqui está uma boa dica: ponham guitarras eléctricas no coro, ponham amplificadores Marshall na sacristia. Esta também é uma das lições da Flor Caveira.

Enfim, vou de férias, aqui fica o mar, usando o Complexidade e Contradição como janela.