domingo, 17 de maio de 2009
Que se lixe a laicidade
E agora o Cristo Rei. Monumento construído na década de 50 para agradecer a «neutralidade» de Portugal na Segunda Grande Guerra - um facto digno de condenação e arrependimento, não de «agradecimento» - saído da cabeça do Cardeal Cerejeira após uma visita à cidade maravilhosa, como que a provar que o clima tropical nunca ajudou ao discernimento de ninguém, é um objecto que dada a sua dimensão espanta pela sua, direi, neutralidade. Há tudo para não gostar no Cristo Rei: é o símbolo mais perfeito da triste história de cooperação entre a Igreja e o Estado Novo, um «monumento» desinspirado de uma época pouco monumental e desinspirada. Mas tirando dois ou três professores jacobinos que estremeciam nas aulas de arquitectura ao falar da coisa, não é costume ouvirem-se impropérios ao Cristo Rei. A estátua, para o bem e para o mal, já faz parte da mobília, e nós temos a capacidade de nos afeiçoarmos a uma cadeira velha mesmo se sempre deu dores nas costas. Para quem acredita na laicidade do Estado, mais por interesse da religião do que do Estado, o Cristo Rei estaria melhor na gaveta dos projectos não realizados. Mas eis que ontem o meu bairro foi fechado ao trânsito; puseram grades nos passeios e polícias nas esquinas; penduraram altifalantes nos prédios para transmitir música sacra, o coro da igreja, um fado a despropósito; e as pessoas vieram. Vieram de todo o lado e encheram as ruas da Baixa de um modo que eu nunca tinha visto, nem mesmo naquelas manifestações que batem recordes e recordes de gente. Fez-me sentir um anfitrião orgulhoso. Eles vinham em paz e isso notava-se; vinham alegres e isso notava-se. O Cristo Rei fazia 50 anos e, para meu espanto, ao lado do Bispo e do Patriarca estavam os presidentes de câmara e os governadores civis, como há 50 anos. O povo aplaudiu. O povo está a marimbar-se para a «laicidade». E o povo, meus amigos, em democracia é soberano.