domingo, 10 de maio de 2009
A suspensão
Mas afinal, nesta era do cinismo e do divórcio, o que é que o casamento tem que ainda nos emociona? Nunca vimos um casamento cor-de-rosa, nunca veremos um casamento cor-de-rosa, nunca acontecerá um casamento ser decalcado de um daqueles filmes com a Renée Zellweger. Mas, ainda assim, as tias choram e as madrinhas choram e toda a gente admite que «foi tudo muito bonito.» Porquê? Arrisco uma explicação: socorrendo-me da teoria literária, direi que estamos na presença de uma suspensão da descrença (suspension of disbelief), da suspensão voluntária da descrença, um mecanismo que nos permite acreditar que uma história de ficção é uma história real, contribuindo assim para o sucesso dessa história de ficção. E naquele momento em que ela está de branco e ele está de costas direitas e de cabeça levantada, o casamento é ainda uma história de ficção em que queremos acreditar; todos nós suspendemos - voluntariamente - a descrença para assim podermos ver ali um épico romântico único e irrepetível. E isso, como não poderia deixar de ser, emociona-nos e por isso vamos todos comer à fartazana e celebrar à fartazana e beber à fartazana. Uma coisa assim tão improvável merece festa. No dia seguinte a descrença já não estará suspensa, e a vida volta, como sempre, como tem de ser, para nos aliviar o peso dos ombros e permitir que sigamos em frente com confiança. Mas lá que «foi tudo muito bonito» lá isso foi.