«(...)None of us can every retrieve that innocence before all theory when art knew no need to justify itself, when one did not ask of a work of art what it said because one knew (or thought one knew) what it did.(...)A interpretação é entendida como um fenómeno que pretende re-significar a obra de arte. Construir à volta dela um discurso e um conjunto de considerações que a valorizam e enquadram. É algo que Sontag acredita estar a deturpar a relação obra-espectador. Nós, qualquer um, perdemos a inocência original («(...) The earliest experience of art must have been that it was incantatory, magical (...)»). Estamos mais cínicos e analíticos, menos emotivos. A arte já não emociona, mas antes desperta o intelecto. Sontag não gosta disso. E decreta guerra à interpretação.
Este raciocínio, muito apelativo, baseia-se numa falácia.
Voltemos à frase que citei em cima. Sontag diz que antes da teoria nós não perguntávamos o que a arte queria dizer porque sabíamos (ou julgávamos saber) o que ela fazia. Este fazer é a provocação de uma reacção na nossa pessoa, algo instintivo e, portanto, anterior à análise. Uma reacção inconsciente provocada directamente pela obra de arte. Mas creio que aqui é que está o erro: o que a arte (nos) faz varia de pessoa para pessoa. E isso está relacionado com o que sabemos. Por isso a posição de Sontag é uma pescadinha de rabo na boca: quer separar duas coisas que não são separáveis. A resposta emotiva a um determinado evento parte do nosso próprio contexto cultural. Não é honesto estar a retirar ao intelectual (ou connoisseur) a capacidade de se emocionar com a arte só porque este não é inocente face a ela. Por outras palavras, a nossa reacção nunca é totalmente ingénua, está sempre intimamente ligada à memória. Essa memória está carregada de informação e conhecimento.
Não sei se estou a fazer muito sentido. Mas sinto que a sedução deste statement de Sontag nasce desta quase impossibilidade de ser verdade. Poderemos nós descartar por completo a teoria da arte em nome de uma inocência original? Acredito que não. Não devido a um qualquer preconceito, mas porque a separação (total) entre emoção e razão não existe. Pelo menos no ser humano.