«Parece-me também que, na Igreja, temos muita complexidade e contradição; os valores são a forma mais práctica e económica de fazer com que os outros ajam de uma forma conveniente para um determinado fim; e isto, para mim, corrompe qualquer ideia que se relacione com o sagrado, especificamente, do cristianismo.
Há um grande compromisso histórico entre a fé e a história feita pelos homens: a fé moveu-nos.
A par disto, surge o grande compromisso da igreja em manter a fé, ao mesmo tempo que o mundo avança tão independente dela (agora).
Manter a fé significa manter valores. Manter valores significa afirmar aquilo que, no caso de cristianismo, tem dois mil anos de história (segundo sabemos...). É aqui que está a óbvia contradição: os valores do sagrado desajustam-se dos valores gerais sociais; tornam-se obsoletos. Mas o sagrado, se se adaptar, torna-se numa outra coisa, transfigura-se; ora, o cristianismo (e qualquer outra religião) não pode transfigurar-se, pelo simples facto de que é um modelo. Não pode haver um Jesus travestido.
Isto leva-nos a outra coisa, a complexidade do sagrado contemporâneo. Se uns, como eu, repulsam a religião e, outros, repulsam a ausência dela, então só posso crer que o modelo do sagrado é necessário. Independentemente das "regras" serem respeitadas ou não.
Isto tudo para dizer que, segundo o meu ponto de vista, o problema social não está na religião ou nas suas regras - são fantasmas que permanecem porque fazem parte do imaginário comum, são imprescindíveis portanto - creio que o problema social não está no ateísmo - exactamente pelas mesma razões - creio que o problema está, sim, nas pessoas, pois a preversão das regras é demasiado fácil, às vezes, e demasiado dífícil outras.
Ou seja, é um problema de estupidez humana porque, em tudo o resto, o mundo vai bem.
A estupidez tem é diferentes escalas, é certo; mas é já muito mau mesmo quando se limita à esfera pessoal.»
Arroz de Estragão