Sempre resisti ao impulso de querer eleger para livro da minha vida um livro que gerasse de imediato temor intelectual nos meus interlocutores. O que me impede (para além da sinceridade e honestidade em desuso) de proclamar que o livro da minha vida é o Ulysses? Aliás, o que é o livro da nossa vida? Deve ser aquele, penso, que consegue maximizar aquilo que esperamos de um livro. O problema está no que esperamos de um livro. Há quem, numa posição inatacável, queira distracção e entertenimento, justificando uma resposta Código da Vinci (que não li, por nenhuma razão em especial, apenas por falta de tempo, mas segundo me dizem é muito divertido). Outros exigem interpelações pessoais fortíssimas, e então o livro tem de ser algo que abra feridas que levem tempo a sarar (ou nunca cheguem a sarar mesmo). Eu não sei o que espero de um livro. Prefiro não o saber e esperar que sejam os livros, cada um, a responder à vez. No entanto, e se me perguntarem qual é o livro da tua vida?, acho que ainda respondo A Servidão Humana, de Somerset Maugham, precisamente por ter ficado apanhado pelo Philip. A intimidade que sinto com essa personagem (relativamente auto-biográfica) é estranha de explicar. Muito do que julgo saber sobre a vida (que, como todos sabemos, é apenas um eufemismo de amor) aprendi-o naquelas páginas. Ou então foi apenas coincidência, o que não deixa de ser também extraordinário.
P.S: Errei. Há de facto uma coisa que me impede de eleger o Ulysses como o livro da minha vida: nunca o li.