domingo, 17 de setembro de 2006

O Papa não é um homem

Pois. CAA e João Miranda, no Blasfémias, passam ao lado de essencial:

(...) Então o Papa - ou qualquer outro cidadão numa sociedade europeia livre - não pode fazer uma interpretação histórico-filosófica acerca de factos com relevância, cultural, teológica e civilizacional? Ou sobre o que lhe apetecer? (...)

(...) Em nome desse acervo civilizacional já várias vezes me pronunciei contra atitudes deste Papa - pelas mesmas razões, agora sinto-me compelido a apoiar o seu direito e o da organização que dirige a poderem debater o que quiserem e como quiserem. (...)

CAA

(...) Onde é que param os do islão moderado? Umzinho que apareça a explicar que citar um imperador bizantino não é a mesma coisa que concordar com ele? Que para além do mais é uma coisa naturalíssima numa conferência para académicos. Umzino? Não há um único nos 1400 milhões que valorize a liberdade intelectual? (...)

João Miranda

Em primeiro lugar, não me interessa a reacção do Islão. Não é devido aos protestos dos muçulmanos na rua que as declarações do Papa me incomodaram. Em segundo lugar, ninguém (já excluí o mundo muçulmano) quer amordaçar o Papa, nem impedi-lo de dizer seja o que for. O que se trata aqui é de uma condenação das suas palavras, o que é muito diferente de dizer que o Papa não tinha o direito de as dizer. Tinha, mas isso não deixa de constituir um erro, precisamente porque o Papa é o Papa. E aqui chegamos ao terceiro ponto, e o mais essencial: contrariamente ao que o CAA pensa, o Papa não é «um cidadão numa sociedade europeia livre» qualquer, e muito menos é a Igreja «uma organização que [o Papa] dirige». E, para pegar no que diz o João Miranda, o Papa não pode deixar de ser Papa e voltar a ser um académico. É o preço a pagar por ser Papa. Quando Ratzinger fala, não fala por ele: aos Papas é negado o direito de ter opiniões pessoais (repare-se, é uma imposição de ordem religiosa, e não legal), sobretudo sobre assuntos como este. Um Papa não pode fazer um ensaio, uma exposição, uma palestra polémica apesar de intelectualmente estimulante. Sempre que o Papa fala em público, fala em nome de todos os católicos. E é assim que é visto pela opinião pública, e é assim que o é de facto. Por isso o Papa não pode fazer «interpretações [...] sobre o que lhe apetecer», e Ratzinger sabe-o. Confundir o direito à liberdade de expressão com a auto-legitimação de tudo o que um Papa diz, é algo que não faz sentido. A liberdade de expressão permite-o dizer o que disse, mas não me impede a mim, como católico, de desejar que ele não o tivesse dito. Sobretudo porque o que disse é um disparate com um forte alcance.