sábado, 21 de janeiro de 2006
Entendam como entenderem
Confesso: apesar de não morrer de amores pela União Europeia, pertenço a uma geração que já não vê na palavra pátria grandes complexidades emocionais. É um registo de nascimento, uma ligação de pertença a uma História que não recusamos e da qual nos orgulhamos a espaços, mas que é facilmente arrumada no passado. Pessoalmente tenho uma certo atrito pelos portugueses, o seu mau jeito de viver em sociedade, a falta de civismo, de boa educação, o permanente estado de desconfiança perante o outro. Mas fora isso, gosto muito deste país. Para além disso, e subindo na minha hierarquia de valores, gosto muito de Lisboa, cidade à qual sinto pertencer de corpo e alma. Se num futuro próximo sair de Portugal, o que não é de todo improvável, sei que sentirei mais a falta desta colina que desce voltada a sul para o Tejo do que do país. Lisboa é minha, Portugal é dos portugueses. Isto tudo para chamar a atenção para mais um artigo, lúcido e claro como é hábito, de Manuel Salgado no Expresso. Salgado tem vindo a intensificar, nos últimos meses sobretudo, a exposição pública das suas ideias para Lisboa, e sempre sempre Lisboa. Não são utopias, não são promessas, não são poesias a rimar com Tejo. São a estruturação de uma série de prioridades evidentes e vitais que importa Lisboa reconhecer. Votarei Manuel Salgado nas autárquicas de 2009, e nessa altura votarei de corpo e alma, com a devida sensação de estar a participar na política que me interessa e apaixona. Com isto quero preparar o terreno para o seguinte: as eleições presidenciais quase que me passam ao lado. Como já expliquei, os imperativos geracionais tornam-me pouco entusiasta desta figura saída da constituição de Abril (outro evento meramente histórico na minha memória), que visa ser o representante máximo do Estado. Num sistema como o nosso, e com o enquadramento europeu que vivemos, o Presidente da República pouco mais é do que uma reserva de decência e confiança. Conheci dois na minha curta existência (conheci mais, mas não ficaram na memória): Soares e Sampaio. Não gostei de nenhum, não me identifiquei com nenhum. Mais uma razão para não ter pelo cargo nenhuma estima especial. Aqui chegado digo, tranquilamente, que o passado destes homens que vão aparecer no boletim nada me interessa. Quero lá saber da luta anti-fascista de Soares e Alegre. Quero lá saber dos perfis humanistas. Quero lá saber do seu ódio a Cavaco e ao cavaquismo. Quero lá saber dessa tralha toda socialista que se vem arrastando desde o 25 de Abril e que tem impedido Portugal de se aproximar dos níveis europeus de qualidade de vida. O meu único interesse nesta eleição é que ela consiga, quase por milagre, contribuir para o fim deste Estado filho de uma revolução popular, de subsídios e cunhas, de incompetência e atraso. Quero um país mais europeu, liberal, descomplexado, voltado definitivamente para o futuro. Quero um presidente emocionalmente neutro, que saiba contribuir para a instalação de um clima de modernização da sociedade, apesar de não saber bem o que isso possa ser (coisa que, com alguma boa vontade, consigo ver em Sócrates). Desejo o fim da política emotiva e passadista. E desejo ardentemente o fim do estado rumo ao socialismo. De vez. E por isso o meu boletim só terá um quadrado disponível.