À atenção da malta do Pulo do Lobo: esta é a melhor declaração de voto (no Aníbal) que li até hoje:
Geração Rasca
por jMAC
«Sei de rapaziada, uns inconscientes com certeza, a quem já podemos chamar de trintões, que pela primeira vez na vida vai votar com toda a convicção. Por uma vez não é o voto de protesto, não é um voto no mal menor. É o voto que foram desejando protagonizar à medida que iam crescendo com O Independente religiosamente às sextas-feiras sobre a mesa do café com o respectivo baldanço à aula de geografia do 10ºano. Entre os primeiros cigarros e as últimas tacadas de snooker viveram um tempos que os marcou. Foram a primeira geração que viveu a democracia plena. Normalizada. Que ainda se lembravam das discussões domésticas sobre a escalada vertiginosa das taxas de juro e a necessária intervenção do FMI, ao tempo do Bloco Central, (a que nunca acharam muita graça pois diminuía os níveis de pancadaria na classe). Lia-se Miguel Esteves Cardoso e achava-se piada às coisas do eixo Manchester-Guincho-Carrazeda de Ansiães. Paulo Portas fazia estragos no governo, tratava do acessório enquanto o essencial era a descida da inflação e o acesso à “Europa”. Vasco Pulido Valente cilindrava a Picareta Falante. Os primeiros rasgos de modernidade, os BMW’s do Fundo Social Europeu, as primeiras mamas na televisão nacional e o fim dos inenarráveis programas culturais da matinèes televisivas. Gente que para quem o suplemento Olá do Semanário era leitura de sanita. E a revista Bravo trazia o último som do mundo desenvolvida - e os respectivos posters. Que daí a pouco tempo descobriria os Smiths e o New Musical Express.
Há uma geração que nunca ficou entusiasmada com o Guterres - a Picareta Falante - não mais que uma emanação de um conspirativo sótão de Algés. Para quem Marques Mendes mais não era (é) que um apagado oportunista sem rasgo e membro do Grupo da Sueca. Gente que se riu às lágrimas pelas lágrimas sulistas-elitistas-e-liberais do Menezes em pleno Coliseu. Gente que ainda se ria com as Noites da Má Língua, (que parva aquela Rita Blanco). Que conheceu a Europa pelo inter-rail e viu a primeira MTV e que um dia até achou que a Catarina Furtado era uma bonita rapariga. Gente que acompanhou José Rodrigues dos Santos nos voos cirúrgicos dos F-16 em Fevereiro de 1991 no início da primeira Guerra do Golfo. E nos dias seguintes nas páginas do Público. Gente que ficou emocionada com o a queda do muro de Berlim e para quem o vai-e-vém lançado da Florida era o futuro hoje. E que até concordou com o Vicente Jorge Silva que os chamou Geração Rasca.
Gente a quem diziam que os propósitos eleitorais e intenções de voto se manifestava dentro de uma parcela populacional mais rural do que urbana, mais rústica que sofisticada. Gente que jamais compraria um automóvel aos Jorges Coelhos, aos Santanas, aos Torres Couto. Gente que ainda hoje não percebe porque é que os supermercados fecham ao Domingo.
Gente, como este que abaixo assina, que vai votar no Aníbal.
E há os outros, claro, os que baixaram as calças numa manifestação anti-PGA.
É a pré-história da democracia. E a história de algumas vidas.»