Para quem vive há tanto tempo fora de Portugal, admito que seja fácil ter do 25 de Abril a imagem idílica de uma revolução libertadora, origem de uma sociedade pacífica e amorosa. Ora bem, para quem cá ficou já começa a cheirar a esturro o facto de todas as, vá lá, imperfeições que são apontadas à herança da abrilada serem devolvidas à procedência através da invocação da memória do Estado Novo, como se numa revolução só existisse o antes. E para quem cá nasceu depois da dita efeméride, o antes, tenham paciência, mas já lá vai. O crédito político daqueles que combateram o fascismo e foram presos e espancados e tudo e mandados para o tarrafal e esses sítios assim, já está um bocado desbotado e amarelecido. Chega, é altura de virar a página. Mesmo nestas eleições se notou que esse fantasma ainda não morreu de vez. A votação de Alegre, os 20% de Alegre, o segundo lugar de Alegre. Pergunto, o que vale Alegre? Que linhas do seu currículo valem a garantia de ser uma boa hipótese presidenciável? O que nos deu o poeta nestes últimos anos? Nada (ver o texto do Pedro Mexia). Nada? Lá está: o passado de trovador antifascista, de conquistador de Abril, de liberdades, fraternidades e igualdades. A verdade é que a nossa democracia é uma criança. E uma criança desajeitada, que tem de ter explicações a todas as matérias para não chumbar nos exames. A vitória de Cavaco possui, para além de tudo o resto, uma carga simbólica decisiva: pela primeira vez percebemos que se pode começar a eleger pessoas apenas pelos seus méritos reais, deixando para trás passados martirizados de opressões revigorantes. Alegre foi o último. Portugal pode orgulhar-se de ter perdido muitos dos seus preconceitos nesta eleição. Até que enfim.
P.S: Esforcem-se por tentar comentar este post sem alusões a Salazar, Estados Novos, ditaduras e essas coisas. Vá lá, vão ver que não custa nada.