O Adolfo Mesquita Nunes, na entrevista ao Pedro Rolo Duarte, diz que a sua escrita não revela a sua personalidade: ao vivo é mais bem-humorado, sarcástico, impulsivo; ao contrário da sua escrita, mais clara, mais pensada, mais pausada. Isso também acontece comigo. Isso também acontece com todos os bons escritores (estou a pensar nos escritores de blogues, raios partam a palavra bloguista - ou blogger ou blogueador) que conheço (segundo parêntesis da frase para ressalvar que não me estou a incluir nesse lote). Estranho, ou melhor, menos interessante, é quando nos deparamos com alguém cuja escrita nada acrescenta aos seus outros meios de expressão. Regra geral, quem escreve deve transformar-se. A famosa «mão» de Lobo Antunes, a quem ele atribui a autoria dos seus romances. Para além do enorme privilégio de se poder ponderar cada palavra usada (privilégio inexistente quando falamos em directo - que bom, pausa para divagar, seria se fosse possível falar em diferido), a escrita é uma óptima máscara, mesmo quando involuntária. Mas é tão mais interessante quanto mais voluntária. Nos blogues, caminhamos num limbo entre a verdade e a ficção: todos os textos são escritos pelo «eu», um «eu» que é simultaneamente narrador e personagem. A mentira está sempre presente, a simulação do registo diarístico é irresistível. Há muita gente a escrever blogues precisamente porque os blogues não reflectem a personalidade dos seus autores. No fundo, escrever um blogue é acto de humildade, um acto de contrição: é assumir que estamos, nem que seja apenas em parte, fartos de nós.
* Jorge Calado dirigindo-se à minha pessoa, 2 minutos após de começar a minha defesa oral de um trabalho que o próprio já lera e segurava no colo. 19 valores, guardo no coração, mas sempre atribuí esse valor em falta à minha prestação no palanque. Há que ter ambição.