quarta-feira, 1 de abril de 2009

No Pingo Doce (III)

Enquanto estive no pára-arranca da caixa fiquei a observar as pessoas que entravam pela porta, as suas caras, tentando adivinhar-lhes a nacionalidade. A variedade de padrões étnicos do Pingo Doce do Rossio nunca deixa de me surpreender. Para quem não sabe, o Pingo Doce do Rossio é o Pingo Doce mais cosmopolita de Lisboa: sempre que lá vou percebo que não pertenço exactamente ali, que as pessoas à minha volta pouco partilham dos meus contornos biográficos, e que isso parece acontecer com todas as pessoas que ali estão. Ninguém, nenhum grupo com aspirações de homogeneidade, se pode assumir como o cliente tipo do Pingo Doce do Rossio. Esta é toda uma tese sócio-urbana, e o trajecto pela rua Augusta com dois sacos debaixo do braço ofereceu-me a oportunidade de imaginar um modelo que, analisado agora com distância e isenção, me orgulha muito: tem como objectivo classificar os supermercados com base na diversidade das nacionalidades das pessoas que o frequentam de modo a atribuir a cada um desses estabelecimentos comerciais o respectivo «Grau de Cosmopolitismo». Para o conseguir, cheguei a um sistema de pontuações baseado numa escala que premeia o exotismo e castiga o provincianismo das proveniências de cada um. Assim, e porque estamos a falar de um supermercado de Lisboa, um lisboeta valerá menos pontos do que um turista ou um imigrante. Mas as coisas não são tão simples como parecem. Um turista e um imigrante valem o mesmo número de pontos? Direi que não; que um turista valerá menos do que um imigrante, como regra geral, mas que um turista vindo, suponhamos, da Coreia do Sul, vale mais do que um imigrante brasileiro. O grau de familiaridade com a cultura portuguesa é inversamente proporcional à pontuação da pessoa, seja ela turista, imigrante, ou estudante. Um estudante erasmus, logicamente, é ralé, está na base da tabela porque nada acrescenta dada a previsibilidade do seu comportamento. O imigrante brasileiro, por ter sempre um avô português, também pontua pouco, menos do que um imigrante PALOP. Um turista brasileiro ou um turista PALOP já pontuam mais, pois são mais raros. Qualquer turista europeu pontua pouco, também, mas um turista dinamarquês é bem mais valioso do que um turista italiano, como é óbvio. A partir daqui, as coisas começam a ficar interessantes. Um imigrante africano não PALOP só é suplantado por um turista africano não-PALOP (um turista Nigeriano instalado no RITZ é o el-dorado do sistema); os turistas americano e japonês estão a meio da tabela, mas um imigrante americano ou japonês já começa a ser uma elite; um havaiano bolseiro da Gulbenkian é ouro, um argentino jogador de futebol já tem menos cotação; um paquistanês vale menos do que um afegão; e assim sucessivamente. Um chulo macaense é charme; um poeta mexicano deverá ser objecto de estátua. E um esquimó é o fim da picada. Creio inclusivamente que no Pingo Doce do Rossio já só me falta ver um esquimó. Mas haja esperança.