segunda-feira, 27 de abril de 2009

O estrangeiro

O estrangeiro que costuma estar no café que eu frequento tem uma mochila gasta e está sempre a ler ou a escrever ou a ler e a escrever; mas não foi isso que me levou a concluir que ele é estrangeiro. Ele tem um cabelo comprido meio aloirado, olhos claros, uma figura de Kurt Cobain sub-nutrido; mas também não foi isso que me levou a concluir que ele é estrangeiro. Apesar de nunca ter chegado a identificar um título, já percebi que os livros que ele lê não estão em português (quase sempre em inglês); mas ainda não foi isso que me levou a concluir que ele é estrangeiro. Concluí que ele é estrangeiro quando, há minutos, se levantou da mesa onde estava devidamente acompando por um bloco de notas e levou a loiça suja para o balcão antes de se dirigir para a caixa. Mas reconheço que preconceito lança um manto de nevoeiro sobre a minha capacidade de observação: não está fora de hipótese estarmos na presença de um português extramente cívico e bem educado, e que acumula esse respeito pelo outro - ou simplesmente o reconhecimento de que o outro existe - com uma obsessão pela leitura. Repito: não é um cenário totalmente impossível.