quarta-feira, 19 de novembro de 2008
Agorafobia (o Paul Auster é cocó)
Tudo terá começado com Jorge Máximo - o Benfica tem dois sócios populares muito conhecidos, um tem barbas e um restaurante, o «Barbas» e «O Barbas», respectivamente, o outro tem bigode, o Jorge Máximo, que é muito parecido com o Paulo Branco, o que é muito estranho pois já que estávamos num festival de cinema faria mais sentido ter sido o Paulo Branco a fazer a apresentação - que, ao fazer a introdução ao autor, disse que Paul Auster iria ler passagens do seu «last book». Auster aproveitou e gritou - enfim - que o livro saía em Portugal esta semana. Mas recuemos um pouco. Estávamos lá porque o cartaz (Estoril Film Festival) anunciava uma sessão de leitura «seguida de uma conversa com o público», e se há uma coisa que já aprendemos (agora é plural majestático) é que as conversas com «o público» costumam ser divertidas. Recuperemos a narrativa. Auster sentou-se, good night, thank you for coming, it's late (e aqui deveríamos ter percebido), abriu o livro e começou. Quem já ouviu a voz de Auster conhece-lhe o poder encantatório (tirando aquela pequeníssima falha na dicção) e a sessão tinha tudo para correr bem. Luz baixa, Paul Auster a ler Paul Auster, aquela linguagem simples e cristalina. Aliás, demasiado simples? Eu não sou bilingue - longe disso - mas já reparei que nos livros de Auster o vocabulário é reduzido, tão reduzido que julgo que é raro o vocábulo que foge ao meu entendimento, e eu sou pessoa para descobrir palavras novas em qualquer parágrafo da Agustina que, apesar tudo, escreve na minha língua materna. Adiante. Paul Auster a ler Paul Auster, impecável, numa interpretação sem mácula. Auster lia Man in the Dark, mas poderia estar a ler qualquer outro dos seus romances. O ambiente sossegou e aquele conto de fadas foi-se instalando. Sim, os livros de Auster são uma espécie de contos de fadas sem fadas para adultos mas com cães mais ou menos existencialistas (Timbuktu) ou putos que voam (Mr Vertigo), numa cruzada «contra o cinismo», nas palavras do próprio autor. É fácil gostar-se, é fácil não se gostar, e a importância do nosso estado de espírito momentâneo para essa avaliação não é de menosprezar. Tocou um telemóvel e Auster levantou os olhos sem parar de ler. O primeiro aviso. Dez minutos depois, tocou o segundo, este já mais imperdoável, e os olhos do leitor voltaram a falar connosco. Jorge Máximo já deveria estar por esta altura de sobreaviso. A verdade é que os incidentes pararam por aqui, se exceptuarmos o indivíduo da primeira fila que se sentava com os pés estendidos em cima do palanque, junto à mesa onde se sentava o americano. Eu compreendo Auster: se fosse comigo, não gostava. Mas a tranquilidade nunca pareceu ser posta em causa, e quando Auster acabou com um thank you e um aceno de até à proxima e se levantou e saiu, nós (agora já não é plural majestático) ficámos naquela. Quem não ficou naquela foi Jorge Máximo, que desceu a escadaria a correr, aflito, direito a Auster, que por esta altura já estava junto à porta de saída, ajeitando a mochila (a mochila?). Da troca de palavras que permaneceu privada resultou outro aceno de Auster igual àquele que tínhamos visto: eram dez e meia da noite e ele ficaria mesmo por ali. O cartaz da «conversa com o público» que se lixasse, o próprio público que se lixasse, o Jorge Máximo que se lixasse. Mas ainda ali ficou mais uns momentos autografando exemplares, o que me desconcertou. Afinal, foi birra ou não foi birra?