sábado, 15 de janeiro de 2005

Centros descentrados

Manuel Graça Dias atira-se hoje aos Centros Comerciais (Única, pags. 40 e 41). O artigo é bom, como de costume, e tem como linha condutora a comparação dos shoppings com a cidade, a cidade verdadeira, da rua, do comércio tradicional. Aqui reside talvez o problema da coisa: será justa esta comparação? Será esta a comparação que deve ser feita? MGD apelida os shoppings como um «sufoco seguro», um sítio que imita a cidade (o artigo intitula-se A imitação da cidade), mas uma cidade inexistente: «A "cidade-ideal", para os cérebros inventores destas "máquinas de consumo", cuja imaginação não vai mais longe do que o passeio à Disneylândia ou aos parques temáticos dos arredores de Barcelona, é uma cidade já só de peões (primeira contradição), com corredores a fazerem de ruas, à volta dos quais se posicionam as lojas da globalização, por dentro de um enorme contrentor ou barracão mais ou menos festivo, de clima condicionado e permanentemente vigiado.» Neste frente-a-frente, cidade vs. shopping, o resultado é previsível: ganha o shopping porque é mais «seguro» e «confortável». E a segurança e o conforto ainda são, talvez, as duas características que o cidadão comum (de todas as classes) mais deseja nos seus ambientes: seja em casa, no trabalho, ou no centro comercial. A deturpação da vida urbana que daqui decorre não deixa de ser alarmante. O espaço público vai perdendo importância. Hoje o contacto preferido é o contacto directo: o acaso, o não esperado, o adicional não interessa. A multiplicidade de vivências que (só) a cidade permite vai sendo gradualmente substituída por um conjunto de relações pessoa-a-pessoa, numa analogia clara com o mundo virtual. A rua vai-se transformando num canal utilitário, num meio que serve um fim, deixando de ser, ela própria, um fim em si mesmo. O problema é que não se vê solução. Não se percebe como podem o comércio sair do shopping e voltar para a rua, a praça, como (ainda) acontece «na civilizada Alemanha ou na educada França». Mais: estaremos condenados a viver junto aos acessos da autoestrada (juntando aos shoppings os parks empresariais)? Das quatro actividades enunciadas na Carta de Atenas (habitar, trabalhar, circular, e lazer), só a habitação ainda resiste à rodovia. Até quando?