segunda-feira, 29 de maio de 2006
A contas com a História
Não consigo atribuir este significado todo às declarações de Bento XVI, e não estou, mais uma vez, a embirrar com o senhor: a sua ida a Auschwitz é digna e decisiva. Falo apenas da dúvida que Ratzinger deixou a pairar: onde estava Deus? O João Paulo Sousa valoriza a componente «dúvida» numa religião que não é sua, especialmente vinda do Papa. O João Gonçalves arranca para mais umas linhas, aproveitando a deixa para explicar como se sente «confortado» nesta dúvida e neste gesto. No que me toca a mim, não chego a sair do porto. Fico em terra a ver o barco partir. O assunto, a (inexplicável) presença de Deus nas grandes catástrofes humanas, não pode ser tema de debate para um crente. Não pode. O cristianismo funda-se sobre o livre arbítrio do Homem, e só assim o podemos compreender. Se não fosse esse o ponto de partida, Deus seria insuportável. Hoje foi o Holocausto, mas a História está cheia de momentos destes. A coisa remonta a Cristo (matámo-lo, não foi?), e já vinha anunciado na fábula de Adão e Eva (ainda que mascarada sob forma de «serpente»). Equacionar Deus à luz destes pontos de ruptura é viciar o raciocício. Bento XVI não foi a Auschwitz por a Fé no arame. Bento XVI foi a Auschwitz mostrar que o perdão pedido por João Paulo II continua a ser pedido por ele próprio.