Falemos então de coisas mais felizes, ainda dentro do capítulo «Atlântico». O artigo do «Jorge Madeira», que se estende entre as páginas 24 e 26, para além de ser a prova provada da pertinência do mAMA, é maradona no seu estado mais puro, um vintage para recordar. Vale os 3 eurinhos, mesmo descontando as barbaridades da Maria Filomena Mónica sobre a Casa da Música («A impressão foi negativa. O meteorito (...) pareceu-me feio.»), mas já lá iremos.
Entretanto fiquem com a colheita de hoje:
(...) Facilitam-me a vida, claro está: Fernando Santos foi o homem que não foi campeão por um clube em cujo plantel residia um individuo para quem qualquer deslocação de bola para a área do adversário poderia ser classificada de "centro perigosíssimo", sua realeza o Professor Doutor, empurrador profissional de bolas para além da linha de golo, Mário Jardel.
Já sonho até com a fatídica imagem de ver o Engenheiro a levantar-se do banco de braços abertos ao mesmo tempo que encolhe os ombros, como que não compreendendo por que é que as pessoas estão chateadas por o Vizela estar a dar dois secos na Luz ao Benfica em jogo a contar para uma elimitatória qualquer da Taça de Portugal. Sim, quando ele se levanta do banco, chega à linha lateral e encolhe os ombros e abre os braços, mimetizando um grande ponto de interrogação, não é para questionar o que se passa em campo ou as acções dos jogadores por si hipoteticamente treinados, mas para pôr em causa o comportamento da plateia. Vou tentar explicar.
Se para Artur Jorge, digamos, como exemplo moderado, o desaparecimento súbito do continente Americano em dois quartos de hora debaixo das águas convergentes do Atlântico e do Pacífico seria uma coisa "perfeitamente normal", para Fernando Santos tudo o que acontece é feito unicamente para "pensar".
"Eu penso" é o seu inicio de frase favorito, um ponto de partida filosófico, e que ele utiliza exactamente da mesma forma antitética do famoso "perfeitamente normal" do Artur Jorge: para Artur Jorge era incompreensivel como é que ele, ouvindo música clássica todos os dias e indo às galerias de arte (ver a Maluda), poderia treinar pior uma equipa de futebol que o Vitor Oliveira, e por isso dizia com insistencia neurótica que era "tudo normal"; para Fernando Santos tudo o que acontecer em campo tem que ter uma ligação fática (referente a palavra) às funções matemáticas e equações de fluxo das suas engenharias, tudo o que se passe em campo só tem existência real ou consequência moral a partir do momento em que o Engenheiro "pense". Para Fernando Santos o facto de o Benfica perder em casa com a Naval por 3 secos não deveria interferir minimamente na vida de Fernando Santos como treinador do Benfica, porque o resultado não é um objectivo, mas sim um ponto de partida para um pensamento, e não só este pensamento é tudo quanto o futebol tem para dar, mas também tudo o que nós temos de realmente de importante para dar ao futebol.
Treinar jogadores é para os simples. O futebol só começa verdadeiramente no flash interview, é por isso Fernando Santos reage daquela maneira às vaias durante o jogo (não há resultado final, por isso não há nada para fazer, nada para "pensar") e à barulheira depois de consumada a derrota (em que a hora é agora sim para "pensar", e só se "pensa" devidamente em silêncio). O "eu penso" é uma forma de não pensar o jogo, ou de, pelo menos, um método de só o pensar a posteriori, sem possibilidade de intervir na Criação.
O Rui Costa chegou e uma pessoa só tem que agradecer-lhe. A ele. Pessoalmente. Por isso, pelo golo à Inglaterra, por algumas coisas fugazes que vimos nos humilhantes resumos a que tivemos direito nos seus tempos aureos na Fiorentina. A época, desse meritório ponto de vista, esterá não só ganha, como mais que ganha, sim senhora. Mas não pensem muito nisso agora, palpita-me que, enquanto o Fernando Santos aí estiver, tempo e oportunidade não faltarão para pensarem nisso, muito.