Não é raro ouvirmos comensais amigos a confundir poesia com versos que rimam e que têm muita graça. O Mário, dizem, tem um jeitão para a poesia, faz-te umas estrofes de um minuto para o outro sobre qualquer coisa e com imensa graça. Há tempos, um antigo colega de liceu, que acabou por ir parar ao cinema (filma Maios de 68 em Alfama, segundo me explicou), disse-me que sempre se interessou pela arquitectura mas que nunca ponderou seguir a carreira porque o que lhe interessava era o lado poético da arquitectura. Infelizmente, este lado poético não são estrofes a rimar: são uma honesta tentativa de conferir significado e intenção artística ao tijolo argamassado. Digo infelizmente porque é isso que qualquer um de nós aspira fazer, e que só alguns conseguem. Quando na maior parte das ocasiões, e é isto que ninguém diz, tudo o que é necessário são umas estrofes que rimem e que tenham alguma graça.
* La Poétique de l'espace é um livro notável de Gaston Bachelard. Parece ser sobre edifícios, mas é sobretudo sobre a nossa alma.