(...) A maior dos meus amigos (para ser modesto) que têm empregos, graus académicos de respeito, relações duradouras e até já casa e carro comprados com o seu próprio dinheiro, julga-se superior a mim. E bem. Porque são. Sinto-me um verme. Abaixo de carraças, baratas e até da Mia Farrow. É que, pelos menos, essa conseguiu manter uma relação sexual com Woody Allen e isso merece um mínimo de crédito. Entretanto, tive tempo suficientemente para descobrir que sou estúpido. Tentei ler o Guerra e Paz do Tolstói e, ainda mal tinha arranhado a superfície com uma esponja de algodão, já estava perdido. Nem relacionando as personagens com jogadores de futebol (por exemplo, Kutuzov é o ex-jogador do Sporting, e por aí adiante). A questão é que nem sequer percebo assim tanto de futebol russo. No que toca a Proust, estou há dois anos para passar da primeira página do primeiro volume. O gajo desliga a luz, acende a luz, diz que vai dormir, mas não adormece e eu já estou a roncar. Quanto ao Dostoiévski (deve ter sido a primeira vez que escrevi o nome direito sem ir ao Google) os gajos dele vivem todos na merda. E eu sou ideologicamente contra a merda. Por isso, vai-se a ver e estou fodido com os russos. Também descobri que sou idiota. A entidade maternal arranjou-me um encontro com um chilena (não digam nada, esta semana disse-me que já sabia com quem me havia de casar). Depois de jantar (que fui eu a pagar por inteiro; ela ofereceu-se para dividir a conta, só que eu recusei, mas ela não insistiu, ora, é preciso insistir, toda a gente sabe que a primeira recusa para dividir quaisquer custos não conta, recusa-se sempre por boa educação; e eu teria dividido de bom grado), decidimo-nos por um passeio à beira mar. Havia um pontão (aqueles muros que entram pelo mar adentro). Ela quis ir ao pontão. Fomos ao pontão. E eu, tive este naco de conversa:
‘Sabes como é que foi inventado o pontão?’
Ela: ‘Não.’
Eu: ‘Foi assim: O Vasco da Gama estava a olhar para o mar em Sines, virou-se para um gajo e disse: ‘Meu, vou descobrir o caminho marítimo para a Índia.’ E o outro: ‘Eu também.’ E o Vasco: ‘Eu cá vou de barco.’ E o outro: ‘Eu não. Vou pôr um monte de pedras umas em cima das outras até lá chegar.’ Só que desistiu a meio.’
E ela, muito séria: ‘Foi?’
E eu, depois de uma pausa, para a deixar matutar aquilo que pretendia ser uma piada: ‘Não. Na verdade, o outro gajo, apesar de ter demorado ligeiramente mais tempo, conseguiu lá chegar. Como é que pensas que inventaram as pontes?’
E ela, com ar arrogante, como se estivesse a olhar para um idiota completo: ‘Não sei. Mas não foi assim.’
E nunca mais me quis ver.
Tiago Galvão, nascido a 28.03.85