Caro Bruno,
os tipos lá do Slate's Audio Book Club também acusaram Saturday de simplismo político para justificar o seu fracasso com romance que «nada acrescenta». Eu compreendo as críticas, mas não as acompanho: Saturday não é um romance político, é um exercício de estilo que aborda um dia da nossa contemporaneidade (a de 2003, pelo menos) e que por isso não pode negar o respectivo enquadramento político. E não é difícil de acreditar que a leitura desse enquadramento político aos olhos de um neurocirurgião que não lê romances e da sua filha que estuda literatura numa universidade onde os professores consideram a «demência» um reflexo social, seja exactamente aquele que nos é apresentado. Aliás, McEwan faz questão em nos dizer que essa «informação» chega sobretudo pela televisão, uma televisão quase omnipresente que vai repetindo as imagens da manifestação e da aterragem do avião em chamas. Mas isto já é dizer demais: não se pode ler Saturday à luz do comentário político que daí se poderá extrair. É preciso ler Saturday por essa «mestria narrativa» que não se pode pôr de parte, sob o risco de nos estarmos a afastar do essencial.