Mestre Alfred Hitchcock referiu-se a dado momento aos seus filmes como sendo fatias de bolo. Aproprio-me da formulação do saudoso Alfred para dizer que um bife por muito bom que seja nunca deixa de ser bife. Call Girl, claro está, é um bom naco: e isto, acreditem se quiserem, não pretende ter qualquer subentendido brejeiro aplicado à silhueta da protagonista. É filme de "gajo" para onde se deve ir com o espírito daquele que pega num jornal ou numa revista (num livro?) para passar o tempo. E é cinema na medida em que assim o definem as características de produção, distribuição e exibição, mas não quer ser sétima arte coisa nenhuma. Exibe razoável competência industrial (que não temos), personagens e situações credíveis e diálogos bem armados, carregados de vernáculo e chico-esperteza lusitana. Call Girl parece-me ter por principal modelo o Instinto Fatal, de Paul Verhoeven (APV fala antes em O Anjo Azul, de Sternberg...), que deu popularidade universal a Sharon Stone: a música é a esse nível esclarecedora. Trata-se claramente de uma fantasia masculina: tira o chapéu ao Cães Danados de Tarantino e a narrativa tem alguns condimentos bem pulpy. À nossa escala contribuirá para projectar a carreira de Soraia Chaves. E justifica tornar-se num sucesso de bilheteira. Até porque há dias em que um bom bife (em sangue) é a melhor coisa que nos podem dar.
Ricardo Gross